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Folha de S.Paulo

Juliana Galdino interpreta serial killer

13.1.2007  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2007

TEATRO
Após sete anos, atriz deixa CPT de Antunes Filho e estréia “Anátema”, de Roberto Alvim, em que mata sete homens “por amor”

Personagem encontra eco no pesadelo contemporâneo, avalia atriz, para quem “o maior elogio a Antunes é continuar com minha vida”

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local

Sem efeitos de luz, de som ou qualquer outro recurso que mascarasse a (sua) verdade sobre si mesma e sobre os sete homens que matou, uma mulher se pergunta: “Estou me confessando, como num tribunal? Ou dando um testemunho, como numa igreja?”. 

O evangelho da serial killer é pronunciado por Juliana Galdino, 33, que vai à cena pela primeira vez sem a rubrica de Antunes Filho. O solo “Anátema” (excomunhão, maldição), texto e direção de Roberto Alvim, estréia hoje na Unidade Provisória do Sesc Avenida Paulista. 

À Folha, Galdino falou sobre a protagonista, autodefinida “o exército de um homem só” a peregrinar do bar para a casa de suas vítimas, sempre a convite, “sem sadismo” e “por amor”. “O teatro é um elemento desarmonizador por excelência”, diz a atriz. Veja abaixo trechos da entrevista.


FOLHA – Quais as suas percepções dessa mulher. Ela é uma anti-heroína? Como fundir as dimensões sagradas e assassinas? 

JULIANA GALDINO
Após a morte de sua mãe, o que dá a ela a percepção clara de sua própria finitude, a personagem mergulha num questionamento profundo acerca da maneira como vive. Ao buscar respostas, mergulha numa dimensão épica, faz de sua existência uma missão. Não procura a resposta em teorias ou misticismos; procura ouvir o que “seu sangue murmura”. E descobre o assassinato como forma de amor. 

Um amor que remete ao amor cristão, no sentido da entrega, da doação, da compaixão. Ao perceber que a maior parte de nós já está morta -ou “enterrada”, o que é bem menos digno- percebe o assassinato como única possibilidade de ajudar, amar, aqueles cujas vidas já foram desperdiçadas e que arrastam seus corpos pelas ruas como “estátuas pré-moldadas, semeando ódio disfarçado em simpatia narcisista”. 

O serial killer é uma personificação da morte. Nesse sentido, é uma personagem numa dimensão mítica, sagrada. Nosso interesse coletivo pelos assassinos em série deriva do fato de que eles são uma espécie de Deus, são o destino. 

As respostas que a personagem dá aos desafios propostos pela contemporaneidade são discutíveis, mas a percepção que ela tem do nosso estado de coisas é absolutamente lúcida.

FOLHA – Em que medida a protagonista de “Anátema” encerra elementos de tragicidade e de peregrinações refletidas em Medéia e Antígona, mulheres atemporais que você interpretou recentemente? 

GALDINO
Na desmedida. Para que uma personagem mereça estar num palco de teatro, deve possuir uma biografia especial. E, como diz Nietzsche, a tragédia é o lugar onde a vida humana é vivida em toda a sua potência. Os gregos colocavam em cena personagens cujas respostas à vida espelhavam os seus piores medos. A desmedida dessas personagens encontra raízes no inconsciente coletivo, o que as torna atemporais. 

Acredito que essa mulher retratada em “Anátema” encontre eco no pesadelo contemporâneo, assim como Medéia e Antígona ecoavam nas mentes dos gregos do século 5 a.C. Creio que ela se localize na esfera da discussão de questões humanas eternas e, possivelmente, insolúveis.

FOLHA – Após sete anos de uma carreira projetada e premiada com Antunes Filho, o seu primeiro espetáculo-solo, pleno em ritos de passagem, representaria uma morte simbólica do “pai” freudiano? 

GALDINO –
Não. O Antunes foi e sempre será um mestre para mim. E o maior elogio que eu posso fazer a ele é continuar com minha vida, criando minha obra e andando sobre meus próprios pés.

FOLHA – Por que deixou o Centro de Pesquisa Teatral? 

GALDINO
Provérbio zen-budista: “Não é possível que uma árvore cresça à sombra de outra árvore”. Foram sete anos… O CPT é um centro de formação de atores. É um meio e não um fim, como o próprio Antunes gosta de dizer. A formação continua para o resto da vida. Foi extremamente importante para mim esse tempo em que estive junto do Antunes e acho que é muito importante que, agora, eu retribua, num certo sentido, tudo o que ele me deu tão generosamente. Saio do CPT tão feliz quanto entrei. Cumpri o ciclo e vou para outro, maravilha! 

Triste dos que saem de lá tristes… Não entenderam nada!

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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