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Folha de S.Paulo

Peça-instalação usa policiais para contar histórias

30.1.2007  |  por Valmir Santos

São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2007

TEATRO 
“Chácara Paraíso”, que estréia sexta, convoca profissionais na ativa ou aposentados para dar depoimentos pessoais

Diretores do espetáculo, o suíço Stefan Kaegi e a argentina Lola Arias, tentam fugir do maniqueísmo e focar nas narrativas 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Um espetáculo com jeito de instalação, ou vice-versa, quer levar para o teatro um pouco da vida de agentes das polícias Civil e Militar de São Paulo. Não há atores, mas personagens reais, homens ou mulheres que estão na ativa, pediram baixa ou já se aposentaram. Até parente entra em cena. 

“Chácara Paraíso” é o novo projeto do diretor suíço Stefan Kaegi, radicado na Alemanha e ligado ao coletivo Rimini Protokoll. Em 2005, ele passou por São Paulo e Rio com “Torero Portero”, retrato do cotidiano de porteiros de prédios. 

Agora, em co-direção com a argentina Lola Arias, a idéia é dar tratamento artístico a um tema belicoso para o Brasil acuado pela violência: como a polícia representa a si mesma? 

A montagem, que estréia depois de amanhã, é encenada em salas de escritório, na Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista. A cada 20 minutos, grupos de seis espectadores percorrem as salas.

“Nessa função, tem que ser um pouquinho de ator para fingir para as pessoas”, diz o aposentado Pedro Amorim, 42, no ensaio de “Chácara Paraíso” que a Folha acompanhou. 

Numa das salas do 14º andar, Amorim relata uma experiência-limite. Anos atrás, permaneceu numa favela como infiltrado num bando de assaltantes a banco. Certo dia, os bandidos suspeitaram de um colega dele, também infiltrado, e só não o mataram por causa da performance meliante de Amorim. Hoje, ele é dono de uma empresa de adestramento e dá seu depoimento pessoal ao lado da pastor alemão Agatha. 

Antes de chegar à sala de Amorim, os grupos de seis espectadores terão passado por encontros individuais, de cerca de cinco minutos, entre quatro paredes, com protagonistas como a investigadora Beatriz (alguns participantes ocultam a identidade completa), há dez anos na Polícia Civil e atualmente cursando psicologia. 

Beatriz, 28, é casada com um colega de ofício. Sentada atrás de uma mesa, como nas delegacias, ela mostra a tatuagem de escorpião (seu signo) atrás do pescoço, feita depois de entrar na polícia, onde acompanhou cerca de 30 mortes, incluindo a rebelião de 2002 na delegacia de Embu, quando 11 presos foram queimados ou asfixiados pela fumaça num incêndio. 

Em seu encontro com o público, Luis Carlos, 38, hoje taxista, recorda os anos 1980, quando integrava a segurança do Palácio dos Bandeirantes. 

Caráter biográfico
Misturando realidade e ficção, as narrativas curtas são ilustradas com fotos pessoais que reafirmam o caráter biográfico das narrativas. Kaegi e Arias incorporaram ainda a simulação de dois policiais que entram numa favela atrás de assaltantes. Há uma favela cenográfica semelhante à que os criadores viram na Chácara Paraíso, que abriga o centro de formação da PM em Pirituba. 

Os 14 participantes foram escolhidos entre cerca de 50 candidatos, atraídos por anúncio em jornais. “Os participantes têm um jeito tímido de falar de si mesmos. Aprenderam a receber ordens e não a responder perguntas. Mas a Lola fixou com eles um roteiro mínimo”, afirma Kaegi, 34. 

A intenção do diretor é desviar da visão maniqueísta da polícia, da exaltação ou da denúncia. Na parte final, exibe um vídeo documentário sobre a incursão que ele e Arias, 30, fizeram na Chácara Paraíso. 

Numa das passagens, o instrutor explica que o método para treinamento de tiro utiliza a sigla “V.I.D.A.”, porque um policial precisa ver, identificar, decidir e agir. Em quatro segundos. O espetáculo corta então para trechos do clipe “Eu Acredito”, produção da própria PM (também no YouTube) que expõe seus feitos com orgulho, ao som de “We Are the Champions”, do Queen. 



Chácara Paraíso
Quando:
estréia sex., 2/2, às 19h30; sex. a dom., às 19h30; até 11/2 
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, Cerqueira Cesar; tel. 3179-3700) 
Quanto: R$ 20 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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