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Folha de S.Paulo

Espetáculo faz Ofélia renascer das águas

14.4.2007  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 14 de abril de 2007

TEATRO 
Em “Labirinto d’Água”, Raquel Ornellas busca dissociar a personagem de “Hamlet” da imagem de suicida

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

“Ah, eu não gostei não. Parece que a mulher vai tirando a alma dela”, disse à intérprete um garoto de 5 anos após ensaio aberto na periferia leste de São Paulo, no ano passado. 

“Ele nunca leu “Hamlet”, mas tocou Ofélia profundamente”, afirma a atriz Raquel Ornellas, 38, protagonista do solo de dança-teatro “Labirinto d’Água”, a partir de hoje no Tuca, inaugurando a sala Ensaio do espaço de Perdizes. 

Ornellas ambiciona, por meio da arte, dar outro destino à personagem coadjuvante da tragédia de Shakespeare, comumente associada à imagem da sofredora, suicida que morre afogada, enlouquecida após os abandonos sucessivos pelo amante (Hamlet), pelo pai (Polônio) e pelo irmão (Laertes). 

“A vida dela nunca foi na terra, mas na água. [Gaston] Bachelard escreveu que Ofélia seria uma ninfa da pátria das águas mortas ou uma ninfa da pátria das águas vivas”, afirma a atriz, que conta com supervisão dramatúrgica e roteiro de Alessandro Toller.
 
Para ilustrar esse espaço vital (líquido amniótico), sentido de fertilidade que Zé Celso também reforçou em seu “Ham-Let” (1993), Ornellas incorpora técnicas de dança na água, como os movimentos de watsu (exercícios terapêuticos) e wassertanzem (técnica alemã de dança submersa). 

Em sua concepção e direção do solo, Ornellas não faz uso literal da água. Esta é sugerida pela gestualidade, pela trilha incidental ou de outros compositores criada por Laércio Resende (a cantora Ceumar interpreta para a peça duas trovas populares dos séculos 19 e 20). 

Ao simbolismo fantástico do renascimento de Ofélia na água, o espetáculo contrapõe o mundo real por meio do salgueiro, a árvore cenográfica que antagoniza com a personagem. É dali que “um galho invejoso” a teria levado à fatalidade, fazendo-a cair no rio Ornellas já havia visitado Shakespeare nos anos 90 numa releitura de “Macbeth”, cujo processo é dissecado no livro “Caldeirão de Bruxas – De Como Macbeth Virou Irmãs do Temp” (ed. Edusp, 320 págs., R$ 72). O lançamento será no dia 22/5, na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, tel. 0/ xx/11/3814-5811).



Labirinto d’agua
Quando: estréia hoje, às 19h; sáb. e dom., às 19h. Até 10/6 
Onde: Tuca – sala Ensaio (r. Monte Alegre, 1.024, Perdizes, tel. 0/xx/11/3670-8455) 
Quanto: R$ 30 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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