Folha de S.Paulo
10.10.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007
TEATRO
Juliana Carneiro da Cunha faz 7 papéis em “Os Efêmeros”, que estréia na sexta-feira em SP; ingressos estão esgotados
Intérprete fala de sua trajetória européia, que se inicia com a dança e culmina no trabalho com a diretora Ariane Mnouchkine
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Juliana Carneiro da Cunha coleciona poucos e memoráveis momentos na história do teatro e do cinema brasileiros -pôde ser vista pelo público nacional em trabalhos como como a peça “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant” (1982), de Rainer Werner Fassbinder, em que contracenava com Fernanda Montenegro, ou o filme “Lavoura Arcaica” (2001), de Luiz Fernando Carvalho, ao lado de Raul Cortez.
Chegou a hora de conhecer a Juliana Carneiro da Cunha que interpreta em francês há 17 anos no Théâtre du Soleil. A companhia está no Brasil pela primeira vez e é das mais admiradas no cenário internacional, dirigida por Ariane Mnouchkine há 43 anos.
O espetáculo “Os Efêmeros” (Les Éphémères), de 2006, passou pelo festival Porto Alegre em Cena e estréia em São Paulo depois de amanhã, na futura unidade do Sesc Belenzinho, com ingressos esgotados -está em negociação uma data extra, provavelmente no dia 24.
“Sempre pensei que, quando o Théâtre du Soleil fosse ao Brasil, causaria um impacto produtivo. É um teatro único, que está de pé há mais de 43 anos e que mantém suas leis, suas regras de base claras”, diz Cunha, 58 anos. “Porque costuma acontecer dessas utopias e ideais durarem quatro, cinco anos, não mais.” Ela conversou com a Folha em julho, no final de uma das sessões no Festival de Avignon, no sul da França.
Do Sumaré à Bélgica
Nascida no Rio e criada em São Paulo, Juliana Carneiro da Cunha cumpriu uma odisséia genuína pelo mundo das artes cênicas. Aprendeu os primeiros passos de dança aos 7 anos, em aulas com a professora húngara Maria Duschenes, sua vizinha no bairro paulistano Sumaré.
Dez anos depois, partiu para estudos na Europa, emancipada aos 17 anos para viver na Alemanha e na Bélgica, onde integrou a primeira turma da escola de Maurice Béjart, o Mudra, ao lado da francesa Maguy Marin.
Participou de coreografias e montagens teatrais do circuito independente europeu, mas voltou ao seu país em 1978, quando ficou grávida de Mateus. Em seguida, nasceu Joana. Eles são franco-brasileiros e hoje se dedicam, respectivamente, à literatura e ao cinema.
“Eu saí como bailarina e, quando voltei, me chamavam para trabalhar mais como bailarina. Na época, tinha aquela questão: você prefere ser bailarina ou atriz. Respondia: “Eu sou intérprete, bailarina, atriz, cantora, muda, fico de cabeça para baixo, o que for necessário para o personagem'”.
E foi quando Celso Nunes a chamou para fazer “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”, lembra.
A intérprete voltou para a Europa em 1988, agora para dançar na companhia de Maguy Marin. Em paralelo, tentou realizar o sonho de entrar no Théâtre du Soleil, que conhecera em 1976, quando assistiu a “L’Age d’Or”, na Cartoucherie de Vincennes, sede do grupo.
“Cheguei lá com amigos, tinha fila, serviram sopa, sanduíche, enfim, lembro-me completamente. E foi uma peça maravilhosa. Ficou essa vontade de um dia participar dessa trupe”, relembra. O que ocorreu 14 anos depois, em 1990, depois de estágio e teste.
Em “Os Efêmeros”, Cunha interpreta sete personagens em nove histórias feitas da memória e do presente. É a que mais aparece, por assim dizer, mas no Soleil não existe a figura da primeira-atriz, do primeiro-ator. Além de Cunha, em meio a cerca de 30 intérpretes, despontam talentos como a francesa Dephine Cottu e a iraniana Shaghayegh Beheshti, para ficar nas mulheres.
“O que você faria se soubesse que a Terra acabaria amanhã ou em uma semana? A gente improvisou em cima disso. Escolhíamos personagens vindos das lembranças da avó, da família. Situações transformadas, claro, mas pinçadas das profundezas pessoais”, diz Cunha.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.