Folha de S.Paulo
6.10.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007
TEATRO
Versão de livro de ensaísta francês sobre incesto é dirigida por Inês Aranha e protagonizada por Bia Toledo
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O ensaísta e romancista francês Georges Bataille angariou o epíteto de “pensador da transgressão”. A adaptação de “Minha Mãe” para o palco faz jus a isso, como se verá na montagem que estréia hoje em São Paulo. São cenas de enfrentamento do tabu do incesto para questionar noções de amor e violência, loucura e desejo no território do erotismo.
Há cinco anos o escritor Elzemann Neves alimenta o projeto de adaptar e traduzir a obra, que chega ao palco por meio da Cia. Nua, com interpretação solo de Bia Toledo e direção de Inês Aranha.
“Minha Mãe” (1966) é a primeira parte de uma trilogia inacabada do autor. No livro, a história é narrada pelo filho, que constrói a personalidade de Hélène, a mãe, a partir de sua imatura concepção de vida. A adaptação de Neves tem como desafio dar voz a Hélène, transformando-a no centro da ação.
Na livre adaptação, Hélène dirige-se a Pierre, personagem que é como se fosse encarnado pela platéia. A ação se passa em 1906. Ela tem 32 anos, o marido acaba de morrer e o monólogo constitui sua tentativa de desnudar-se por inteiro ao filho.
Ela dará notícias da vida libertina ao lado do marido, o homem que nunca a tocou depois de violentá-la aos 13 anos, mas que vive um casamento feito de orgias com terceiros.
“A Hélène é muito envolvente, apesar de não ser simpática. É muito imperativa e cruel. Ela sofre um pouco pelas decisões, mas são dúvidas até certo ponto passageiras. Sua maneira de amar é bastante perturbada”, afirma a atriz Bia Toledo, 32.
Em seu primeiro monólogo na carreira, metade da vida como atriz, Toledo multiplica-se entre as diversas máscaras de Hélène, além da dar “corpo” a Pierre a Réa, a prostituta com a qual a mãe introduz o filho no reino da libertinagem em que ela é rainha absoluta.
Dirigindo-se ao público, a personagem explica: “Para ele, sou um quebra-cabeças de partes surpreendentes: doçura triste, melancolia fascinante, felicidade lasciva. A melancolia ele relacionava à maldade de seu pai. A alegria às minhas saídas depois do almoço, que podiam durar um dia inteiro”.
As mudanças de tempo e espaço são pontuadas por meio da partitura física da atriz, conforme a encenação de Inês Aranha, especializada na preparação corporal de elencos.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.