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contracena

Festival TransAmériques, nova janela da cena mundial de teatro e dança

8.7.2011  |  por Valmir Santos

 

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Por Cynthia Becker, colaboração para o Teatrojornal

 

Obras que rondam o imaginário artístico, experiências que provocam impactos sem se importar se são teatro ou dança, mas sim em mostrar linguagens que nos fazem pensar em novas perspectivas dentro das artes. Acredito que a curadoria do Festival TransAmériques realmente teve como base levar o espectador a um passeio nos espaços que começam a ser desbravados pela cena mundial contemporânea. A quinta edição do FTA aconteceu em Montréal, na província canadense de Québec, entre 26 de maio e 11 de junho deste ano.

 

Como representante do Núcleo de Dramaturgia Sesi-Paraná, tive o privilégio em fazer parte de um programa que tem como raridade oferecer bolsas a “jovens criadores” de diversos países, dentro do Programme de Jeunes Créateurs, com o intuito de promover um intercâmbio artístico, ofertado pelo FTA com parceria de uma instituição do Québec responsável por projetos internacionais (LOGIQ).

 

Participaram representantes de diversos países, como Alemanha, Bélgica, França, Israel, Brasil, Itália, Canadá e Chile, entre eles diretores, dramaturgos, cenógrafos, bailarinos, críticos e, sobretudo, pessoas dispostas a trocar pensamentos, refletir e expor o que está sendo produzindo atualmente no teatro e na dança através de simpósios, palestras, mesas redondas com artistas locais e internacionais.

 

Devo confessar que foi uma experiência única para mim, principalmente pela surpresa em saber que mesmo havendo diferenças culturais, a arte permanece em seu lugar de transgredir referências comuns: Foi possível ouvir um eco do que se idealiza artisticamente aqui no Brasil, mesmo não tendo uma posição geográfica favorável e até mesmo econômica para viabilizar concepções que exigem grandes produções.

 

 

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Nesta edição, foi possível presenciar espetáculos de diversas formas e formatos como Trust, da mítica companhia Schaubühne, de Berlin, em sua composição de teatro e dança na qual o híbrido é tão impecável ao ponto de se tentar nominar a unidade dessas duas linguagens. O grupo de dança belga les ballet C de la B relata com o espetáculo Gardênia a história de um cabaré de transexuais, surpreendendo com opções musicais bem ecléticas, indo de Caetano a Aznavour. Da brasilidade que já se conhece fora do país, a companhia de dança dirigida por Lia Rodrigues marcou presença com Pororoca. Já a companhia nipônica Chelfitsch transpôs para o palco atitudes absurdas da sociedade atual no espetáculo Hot pepper, air conditioner and the farewell speech por meio de falas e movimentos repetitivos, explorando a cena de um jeito neurótico, porém preciso e inteligente.

 

 

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A programação do FTA também não demonstrou receio em suas coproduções artísticas, como no caso de Neutral hero, do autor e diretor norte-americano Richard Maxwell, um espetáculo musical que desmitifica a saga do herói, e até mesmo contraria as grandes montagens do gênero nos EUA , talvez pela saturação do próprio contexto em que o grupo nova-iorquino esteja inserido. A encenação chegou ao ponto de me fazer lembrar os grupos de jovens de igreja quando ensaiam para a missa de domingo, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, remete à completude dentro da banalidade.

 

Sai atônita do espetáculo Moi qui me parle à moi-même dans le futur, da companhia Infrarouge. A criação de Marie Brassard me provou que o teatro é a arte que possibilita a manipulação do tempo e do espaço, e a palavra é a melhor ferramenta para nos introduzir a tal percepção. Seguindo essa mesma linha quântica, Mille anonymes, do diretor quebequense Daniel Dennis, ousou em sua concepção, mas não deixou tempo para o público digerir tantas ideias, causando impressões hesitantes, porém necessárias quando se trata de inovação.

 

 

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Como muitos festivais de teatro o FTA também possui o seu off, isto é, uma mostra de teatro realmente alternativa. Não tendo ligação com a programação oficial, o OFFTA se afirma com o intuito de promover um espaço de experimentação, interdisciplinaridade e principalmente de correr riscos. O objetivo dessa mostra paralela é proporcionar aos novos artistas uma visibilidade maior perante o público e as mídias nacional e internacional. Aliás, a organização já começou a receber projetos para edição de 2012.

 

Montréal sabe aproveitar seus ares primaveris, que junto com a sua população acolhedora compõem muito bem uma paisagem artística. Além de a cidade já ser conhecida pelos seus festivais de música, certamente é a maior representante da América do Norte em termos de vitrine de teatro e dança, e já começa a demarcar seu território ao lado de grandes festivais como os de Avignon e Edimburgo. A próxima edição do FTA será de 24 de maio a 9 de junho de 2012.

 

 

O site do Festival TransAmériques.

 

A mostra off do FTA e as inscrições para 2012.

 

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Cynthia Becker começou atuando como atriz no grupo do Cefet–PR. Integrou o grupo de teatro da Universidade Federal do Paraná. Ainda em Curitiba, decidiu cursar artes cênicas na Faculdade de Artes do Paraná, a FAP. Participou de projetos da Fundação Cultural de Curitiba integrando literatura e teatro. Após um período de residência entre França e Escócia, ingressou no Núcleo de Dramaturgia do Sesi-SP em parceria com o British Council e sob coordenação de Marici Salomão. Atualmente, integra o Núcleo de Dramaturgia do Sesi-PR, coordenado por Marcos Damaceno e orientado por Roberto Alvim. Através do mesmo projeto leciona oficinas de dramaturgia nas cidades de Ponta Grossa e União da Vitória.

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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