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Bravo!

A cidade por dentro e por fora [Cidade fim – cidade coro – cidade reverso]

26.1.2012  |  por Valmir Santos

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O Grupo Teatro de Narradores invade o asfalto para propor uma reflexão sobre indivíduo e coletividade POR VALMIR SANTOS

 

Qual o lugar do teatro? Essa é a pergunta implícita do espetaculo Cidade fim – cidade coro – cidade reverso, que o Grupo Teatro de Narradores apresenta em sua sede, em um sobrado do Bixiga, no centro de São Paulo. Se na primeira metade da peça o público ocupa uma sala não convencional no segundo andar do edifício, na metade final é levado à calçada, onde vê desfilarem outras cenas que se encadeiam naquelas acompanhadas do lado de dentro. Não é teatro de rua nem teatro “na” rua, mas um misto de intervenção artística e festa comunitária arquitetadas com originalidade na rua Treze de Maio, uma das principais artérias do bairro paulistano.

 

Dividida em três segmentos, a peça compõe sua dramaturgia poética por meio de estruturas ficcionais e relatos de vida dos moradores da região – como o do ex-operário encontrado morto pelos filhos, o da mãe solteira que trabalha em um bingo clandestino, o do pai assassinado pelo filho, que revida uma agressão. A encenação organiza esse material sem preocupação cronológica ou secura documental, compondo uma cartografia sentimental, histórica e política.

A primeira parte, Cidade fim, projeta um filme rodado pelo grupo sobre a génese do movimento sindicalista, que um entrevistado testemunhou nos anos 80; Cidade coro, o segundo trecho, mistura fontes documentais a outras dramatizadas à maneira do filme Jogo de cena (2007), de Eduardo Coutinho. O terceiro segmento, Cidade avesso, é uma fábula fragmentária sobre amor e abandono, abraçando criticamente o melodrama ao estender o tapete no asfalto, montar uma sala de estar no meio-fio, disparar canhões de luz em todas as direções e pôr o bem preparado quinteto de atores rente aos carros, para a surpresa dos motoristas em mão única.

 

ADESÃO AO REAL

A nova criação dos Narradores deriva da anterior, Cidade desmanche (2009), em que os temas e as escolhas formais já sinalizavam personagens errantes em sua trajetória. A expedição da vez se abre para eu entorno, mas sem paternizá-lo. A cena posicionada do lado de fora não interdita a rua; antes, se deixa aderir ao burburinho dos passantes, do bar, das buzinas e das precariedades que também dizem respeito ao cotidiano da maioria dos grupos de teatro. Nas calçadas, redefinidas pela encenação, crianças seguem espontaneamente as coreografias, e rostos espectrais surgem nas janelas das casas para assistir. Ecoando o tema da Bienal de Arte de São Paulo, em 2006, “Como Viver Junto”, Cidade fim – cidade coro – cidade reverso funde as dimensões íntima e épica do teatro, e essa arte com a cidade.

 

VALMIR SANTOS é jornalista e pesquisador de teatro.

 

O ESPETÁCULO

Cidade fim – cidade coro – cidade reverso. Texto de Lucienne Guedes e José Fernando Azevedo, que dirige a peça. Com Grupo Teatro de Narradores. Espaço Maquinaria (r. Treze de Maio, 240, Bela Vista, SP, tel. 0++/11/3853-3651). Sáb. e dom., às 19h. Até 11/12. Grátis.

 

(Texto originalmente publicado na edição número 172 da revista Bravo!, dezembro de 2011, p. 92)

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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