Menu

Reportagem

Cibele Forjaz desdobra Dostoiévski

1.2.2013  |  por Maria Eugênia de Menezes

Cibele Forjaz, 43, anda dormindo pouco. Não mais do que quatro horas por noite. A maratona diária, ela conta, não poupa fins de semana, começa logo de manhã e costuma se estender pela madrugada. São ensaios de atores, testes de luz, ajustes de cenário, 30 pessoas trabalhando sem parar para deixar tudo pronto para a estreia de “O Idiota”, uma versão da obra de Dostoiévski que a diretora apresenta a partir de hoje, no Sesc Pompeia.

O desejo de transportar o monumental romance para o palco é antigo. Começou a adquirir f orma há cerca de dois anos, quando Aury Porto, Luah Guimarãez e Vadim Nikitin, responsáveis pela dramaturgia, colocaram em prática o projeto de adaptação. Mas foi só em janeiro deste ano que os planos ganharam, de fato, contorno na encenação de Cibele Forjaz.

As mais de 700 páginas do romance foram convertidas em sete horas de espetáculo, divididas em três partes e apresentadas em dias diferentes. “É um “tour de fource”, uma imensa gincana”, diz a diretora. Mas não é apenas na duração que “O Idiota” assume ares grandiloquentes. Não bastassem o tamanho e a complexidade do romance, a montagem também se lança à intricada tarefa de reunir atores de diferentes companhias.

Nomes de conhecidos coletivos paulistanos, como Teatro Oficina, Teatro da Vertigem e Cia. Livre, misturaram-se para pôr de pé a empreitada. Em um emaranhado de tramas, o autor russo tece uma série de reflexões sobre a religião, a fé e a moral. “Mas não vá escrever que a peça é sobre isso”, pede Cibele. “Porque o público vai achar que é uma coisa chata, que não tem história, ação.”

De fato, história é o que não falta a “O Idiota”. Enquanto pontua questões filosóficas, a obra também carrega no tom folhetinesco e vem pontilhada de mistério, humor e romance.

Em linhas gerais, o enredo trata de Míchkin, um príncipe que, depois de passar vários anos na Suíça tratando-se de epilepsia, retorna à Russia para encontrar uma parenta distante. Rapidamente, ele consegue cativar a simpatia de todos, mas seu caráter excessivamente bondoso é visto como sintoma de idiotia e cria-lhe uma série de problemas. Algo que o aproxima um pouco das agruras de Dom Quixote e de Jesus Cristo.

Outra questão a nortear a adaptação foi a preocupação em expor a subjetividade dos personagens, lembra Aury Porto, que, além de assinar o roteiro adaptado, encarna também o protagonista. “Se ficássemos só no plano da história, não teríamos como expressar a polifonia do livro.”

Para dar conta dessa pretensão, a diretora manteve seu estilo e criou um constante jogo com o público, que percorre a sala de espetáculo atrás do elenco. “Hoje, quando tudo é feito à distância, o sentido do teatro passou a ser o encontro com a plateia. Nada disso é trivial. Sair de casa e ver uma peça que acontece em três dias é uma escolha. Ninguém sai ileso dessa travessia.” Cibele, insone há quatro meses, que o diga.

(Maria Eugênia de Menezes, Revista da Folha, 30/3/2010)

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

Relacionados

‘De mãos dadas com minha irmã’, direção de Aysha Nascimento e direção artística e dramaturgia de Lucelia Sergio [em cena, Lucelia Sergio ao lado de dançarinas Jazu Weda e Brenda Regio]