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Crítica

‘Azul resplendor’ elabora metateatro como utopia

23.9.2013  |  por Valmir Santos

Foto de capa: João Caldas

Um extraterrestre amante do teatro ficaria iludido com as proximidades não só geográficas, mas culturais, diante da sequência de autores sul-americanos em cartaz em São Paulo neste setembro. Ao chileno Marco Antonio de La Parra e ao argentino Daniel Veronese, encenados na cidade ao longo do mês, soma-se o peruano Eduardo Adrianzén. O autor nascido em 1964 chega ao país por meio de Azul resplendor.

O texto de nove anos atrás aplica o metateatro no estrito senso dos bastidores dessa manifestação artística. Transmite algum sopro pirandelliano sem maiores ambições que não a de contar uma história com poucos ruídos de linguagem.  Sua estrutura elementar pede bons atores para decolar. Nesse quesito, a montagem brasileira atende de sobra, em cena e por trás dela.

Estamos diante de um projeto de atores testemunhos do teatro nacional em suas fases moderna e contemporânea, principalmente no trânsito do final da década de 1950 aos anos 1970. Renato Borghi coproduz e codirige Eva Wilma e Pedro Paulo Rangel. Suas presenças particularizam a dramaturgia que versa sobre as idiossincrasias e sublimações do ofício, além do conflito de gerações quanto ao comprometimento com a arte e a cultura.

Na obra em cartaz no Teatro Renaissance, Eva Wilma e Pedro Paulo Rangel são espirituosos e verossímeis como a musa equidistante e o pobre diabo do fã e ator relegado. O reencontro dos personagens, após 30 anos, transforma as respectivas rotas pessoais e artísticas.

Tito escreve sua primeira peça em pleno outono da vida. Para protagonizá-la, convida a mulher que sempre admirou no palco, Blanca Estela (contração dos nomes das irmãs Blanche e Stella em Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams, que sobrevoa o texto como um anjo). Ela topa, abrandando sua bem humorada ranzinzice graças à herança dele, que a convence com um milhão de dólares na conta, um texto debaixo dos braços e uma atenção redobrada e carinhosa.

Vigh, Rangel e Guerra contracenam na obra peruana

O enredo é a travessia dessa amizade e desse amor para produzir o espetáculo. E a capacidade de ambos para conviver com um vislumbrado “melhor diretor do país”.

Antônio Balaguer é o vilão cativante, como os melhores o são, a cargo de Dalton Vigh. O ator compõe a caricatura perfeita das afecções do reinado do diretor numa produção dita comercial. Mas sua interpretação não é caricatural, expondo a ambição humana desmedida no modo como ofusca sua diretora assistente (Luciana Borghi) e vampiriza os dois jovens atores que contracenam com o casal veterano (Felipe Guerra e Lu Brites ou Paula Picarelli, esta substituindo a outra em parte da temporada).

O trio composto por Eva, Rangel e Vigh é técnica e poeticamente seguro. Eva e Rangel imprimem na narrativa uma nostalgia do agora. A verossimilhança dos papeis de setentões nasce da vasta experiência com as coxias e os holofotes (ela soma 60 anos de palco e ele 45). Os demais integrantes do elenco demonstram habilidade para dar corpo às negociações tensas, não sem alguma estereotipia, com os rompantes do diretor, os questionamentos do dramaturgo vivo e a ironia da diva despachada (Eva é especialmente feliz ao corromper a aura televisiva).

Borghi e Elcio Nogueira Seixas, codiretores e parceiros do grupo Teatro Promíscuo há duas décadas, mantêm o drama e a comédia nos trilhos, sem reducionismos. O espectador não familiarizado com esse cotidiano frui com facilidade mediante os enfrentamentos, as utopias e os desencantos maduros ou juvenis.

As estratégias do cenário, da iluminação e dos figurinos são orientadas pelo desnudamento do tablado, uma vez que o próprio monopoliza tema, tempo e espaço da história representada. Todos os elementos são pertinentes e discretos – a exposição da contrarregragem implica algo da camaradagem que também costuma reger o ambiente de criação independente dos dilemas.

O título da peça de Adrianzén tem a ver com a cor base no lume do palito de fósforo antes de se apagar. A montagem de Azul resplendor deseja e captura a resistência mesmo diante da efemeridade.

>> Site oficial de Azul resplendor, até 13/10 no Teatro Renaissance.

Eva Wilma celebra 60 anos de palco com a montagem

Ficha Técnica:

Com: Eva Wilma, Pedro Paulo Rangel, Dalton Vigh, Luciana Borghi, Lu Brites, Paula Picarelli e Felipe Guerra .

Direção: Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas

Texto: Eduardo Adrianzén

Tradução: Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas

Luz: Lúcia Chedieck

Cenário: André Cortez

Figurino: Simone Mina

Trilha sonora: Aline Meyer

Vídeos: Renato Rosati

Fotos: João Caldas

Direção de produção: André Mello

Realização: Renato Borghi Produções

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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