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Crítica

Magnólia instaura confusão literal em ‘A festa’

17.12.2013  |  por Valmir Santos

Foto de capa: David Cadeira

O grupo Pavilhão da Magnólia coloca para si missão à altura de seus 11 anos de atuação na capital cearense: recriar no palco o romance infantojuvenil Luna Clara & Apolo Onze, de Adriana Falcão. Um núcleo de poucas ambições artísticas não se daria a esse trabalho.

A linguagem narrativa do livro navega por uma profusão de tempos, espaços e personagens que fazem da própria leitura um jogo de interação permanente. A imaginação do leitor voa longe.

Já o espetáculo A festa perde-se no afã hiperativo de transpor a língua viva impressa para a cena ao vivo e sua pletora de palavras que espocam mediadas por atores ou atrizes sob forte bombardeio de signos sonoro e visual. São poucos os momentos em que as formas animadas (como no teatro de sombras) aderem com consistência para abrir a janela a outras densidades e suspensões.

A excitação para com a ideia de jogo, tão afeita ao teatro, desemboca em histeria na movimentação, nos gestos e falas. O que na veia literária é invenção vira confusão no modo de contar. Confusão é prima da ansiedade em enfatizar as entrelinhas em prejuízo das frestas de um enredo bem servido nos sentidos lúdicos e mágicos da narração, ofuscados por falta de clareza estruturante diante das instigações literárias.

Um pouco do enredo. Pai e filha, Doravante e Luna Clara vão atrás da mulher e mãe que não veem há anos. No deslocamento entre as cidades de Desatino do Norte e Desatino do Sul, encontram tipos como o Sr. Erudito, apreciador da arte e da cultura cujas histórias estão lhe escapando – ele guarda milhares na cabeça. Esse homem é pai de Aventura, a amante desaparecida. Montado em seu cavalo Equinócio, Doravante a reencontra enquanto a menina Luna Clara também vai enamorar-se do menino Apolo Onze, que andava amuado. É a paixão que a todos move e une de vez em quando.

Atores na recriação cênica da obra de Adriana Falcão

A trama – e aqui o conjunto de fios que se cruzam com os da urdidura não é apenas imagem de retórica – traz ressonâncias dignas de Cervantes e Shakespeare. O espírito da fábula perde para o apelo da balada, do agito, dos artifícios de contemporaneidade que a encenação de Nelson Albuquerque quer imprimir a todo custo, quem sabe justificando o título festivo.

As atuações do próprio Albuquerque, de Denise Costa, Diego Mesquita e Silvianne Lima esbarram nesse lugar artificioso sintetizado nas cores gritantes dos figurinos e adereços. Dispersa quando o encontro com esse livro é um convite à atenção para empreender viagem. O espetáculo A festa dá pouca margem à perspectiva humanista da linguagem burilada com inteligência por Falcão, de olho na falta de linearidade da existência, vide os acasos ou sincronias que vêm e vão. A odisseia não pulsa no tablado do tamanho que ela é.

>> O jornalista viajou a convite da organização do 9º Festival de Teatro de Fortaleza.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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