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Reportagem

Livro narra história do Ói Nóis Aqui Traveiz

29.1.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Nilton Silva

Do final de 1977 até o começo de 2014, muita coisa mudou. O mundo encontrado por jovens artistas descontentes com o teatro que se fazia em plena ditadura militar agora é outro. Mais de três décadas se passaram.  Aqueles jovens, agora adultos, formaram um dos grupos mais representativos do teatro gaúcho – a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz.

A memória de 35 anos do coletivo se confunde com a do teatro gaúcho e brasileiro. São esses fragmentos de história que estão reunidos no livro Poéticas de ousadia e ruptura, organizado por Paulo Flores e Tânia Farias, e também em um documentário sobre o processo de criação que serão apresentados ao público, hoje [29/1], às 20h, na Terreira da Tribo (Santos Dumont, 1.186).

A publicação disponibiliza registros de espetáculos como Fim de partida (1986), Ostal (1987), Hamlet máquina (1999), A missão – lembrança de uma revolução (2006) dentre outros, assim como espetáculos de rua, entre eles A história do homem que lutou sem conhecer o seu grande inimigo (1988), até o mais recente O amargo santo da purificação (2008). O livro tem o selo Ói Nóis na Memória, que engloba uma coleção de livros, DVDs e revistas que registram a trajetória estética e política do coletivo.

A preocupação com a memória das artes é imprescindível para a Tribo de Atuadores. Segundo Paulo Flores, um dos fundadores, na década de 1990 e no início dos anos 2000 o teatro era reconhecido somente no eixo Rio-São Paulo, além de Minas Gerais, com o grupo Galpão. Diante disso, foi preciso fazer algo para preservar o que estava acontecendo no Sul do País. “O Brasil todo é riquíssimo em teatro, então começamos a fazer publicações para que se mantivesse a memória do grupo e do teatro gaúcho, e que essa informação pudesse circular o País inteiro”, conta o ator.

O documentário Raízes do teatro, realizado em parceria com a Artéria Filmes e dirigido por Pedro Isaias Lucas, apresenta um dos principais eixos do trabalho de criação do grupo. O projeto, que dá título ao vídeo, foi concebido pelo Ói Nóis Aqui Traveiz em 1987 para sistematizar o estudo das origens ritualísticas do teatro. A principal característica dessa metodologia é o tratamento especial dado aos mitos. Fazem parte deste projeto Antígona, ritos de paixão e morte (1990), Missa para atores e público sobre a paixão e o nascimento do Dr. Fausto de acordo com o espírito de nosso tempo (1994), Aos que virão depois de nós – Kassandra in process (2002) e Medeia vozes (2013).

Cena da adaptação de ‘Fausto’ na década de 90

Diante de tantos projetos, como manter um grupo ativo e sem cair na mesmice por quase quatro décadas? Flores responde, dizendo que “as ideias se mantêm, mas são sempre renovadas”. O que o atuador quer dizer é fácil de compreender se olharmos de perto o trabalho do coletivo. Os princípios seguem os mesmos na questão libertária, da autogestão, na forma de organização, da criação coletiva e do trabalho corporal, mas há também uma renovação sempre constante com a participação de novas pessoas. “É um grupo na realidade sempre jovem”, afirma Flores.

O grupo segue atuante em várias questões. Com a linguagem do teatro, leva discussões fundamentais para a sociedade – há uma preocupação de estar sempre atento com o que está acontecendo no País. “Estamos unindo força para tentar a criação de uma política cultural nacional”, conta o fundador.

Além disso, a luta continua por um espaço na cidade.  Em março de 2008, ao completar 30 anos de existência, a Tribo conquistou junto ao poder público municipal o terreno da rua João Alfredo, 709, na Cidade Baixa, cedido por comodato para construção de sua sede definitiva. Essa foi a primeira batalha, contudo. Em dezembro de 2010, mais uma foi vencida: por meio de emendas de parlamentares gaúchos, o grupo conquistou uma verba orçamentária para a construção do Centro Cultural Terreira da Tribo. Até agora as obras não saíram do papel – a promessa é de que comecem até março.

Hoje, além do lançamento do livro e da exibição do documentário, o público poderá prestigiar um pequeno show de músicas que fizeram parte dos espetáculos da história do Ói Nóis Aqui Traveiz. O evento terá as presenças de artistas e músicos convidados e de atuadores da Tribo. A entrada é franca.

:.: Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, capa, em 29 de fevereiro de 2014.

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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