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Crítica

‘Talvez seja amor’ elabora discurso dèjá vu

10.2.2014  |  por Miguel Anunciação

Foto de capa: Fabi Araújo

Para quem ainda não sabe, Roland Barthes projetou importante presença na cena intelectual brasileira, sobretudo entre os anos 80 e 90. Suas considerações subsidiaram inclusive algumas montagens teatrais. Ulisses Cruz dirigiu em São Paulo, com Antonio Fagundes à frente do elenco, uma adaptação de Fragmentos de um discurso amoroso, talvez o mais lido dos muitos trabalhos que o filósofo e escritor francês pôde ver publicado ainda em vida. O livro também inspira Talvez seja amor, atração da 40a Campanha de Popularização do Teatro e da Danças, em Belo Horizonte, entre terças e quintas, às 20h30, no Teatro Sesi Holcim. Até 27/2.

E assim como a palavra sexo seria a mais mencionada em todo o mundo virtual, talvez nunca se esgote o interesse das pessoas pelo sentimento amoroso, por todas as suas decorrências. Um assunto sempre em pauta, sempre passível de revisões, de ampliações, capaz de animar sempre novos pontos de vista. O quanto o amor nos fortifica, desarma, vulnerabiliza, quanto parece rara a indiferença às suas repercussões, talvez nos disponha a conferir novas especulações nesta área. Mesmo que uma porção de obras extraordinárias sobre o amor já tenham sido produzidas. No teatro, na literatura, na música, no cinema, na TV. Como Romeu e Julieta, de Shakespeare  talvez uma das mais admiráveis abordagens do amor intenso, mas obstruído por argumentos alheios às suas disposições.

Dirigido por Fabiano Lana (coautor do texto com Fabiano Rabelo e Mayara Dornas), Talvez seja amor também aborda o amor escasso, quando um dos amantes saltou fora do barco. Sozinha em cena, Mayara interpreta a apaixonada ao abandono. Inconsolável, ela clama pelo retorno do amor, por quem a deixou sem razões aparentes. A partir desta quadro de dor (o presente) e delícias (no passado), a montagem organiza um enredo que solicita a participação frequente da plateia. Alguém é convocado a substituir o amor que se foi, outros a confessarem se estão amando, se são felizes ou sofre(ra)m por amores frustrados.

Mayara Dornas no solo do Coletivo DuoSem créditos

Mayara Dornas no solo do Coletivo Duo

Disposta a quebrar as expectativas, a ir além de contar uma história, do tradicional começo/meio/fim, a encenação coloca o diretor na primeira fileira, instruindo a atriz com voz ríspida, autoritária; instala um microfone na cena; leva a atriz a espremer laranjas sobre o próprio corpo; e estimula a plateia a escolher e cantar uma canção romântica no palco, em karaokê. É evidente a intenção de ser uma obra moderna, audaciosa. Pena recorrer só aos clichês dos trabalhos que já foram inovadores e visitar apenas lugares-comuns dos amores insatisfatórios. Enfim, até organiza um discurso sobre o amor, mas déjà vu.

.:.Publicado originalmente no Blog da Cena em 9 de fevereiro de 2014.

Ficha técnica:
Com: Mayara Dornas
Direção: Fabiano Lana
Figurinos e cenografia: Carloman Bonfim
Dramaturgia, iluminação e trilha sonora: Mayara Dornas e Fabiano Luna
Codramaturgia: Fabiano Rabelo
Produção: Lennison Farah

Jornalista profissional desde 1977, já integrou órgãos de imprensa de São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Atua como repórter e crítico de espetáculos há 20 anos. É curador assistente do Multifestival de Teatro de Três Rios (RJ).

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