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Reportagem

Vinicius em verso e prosa

4.3.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Miró Parma

Num primeiro momento, o espetáculo Vinicius de vida, amor e morte, com estreia prevista para sexta [7/3] no Sesc Santo Amaro, se assemelha a outros da atual safra de musicais brasileiros. Para aqueles que resolveram dar as costas à Broadway e investir em produções nacionais, as biografias de artistas da MPB têm sido a principal fonte de inspiração. O movimento começou em 1998, quando o musical Somos irmãs investigava a vida e as canções das irmãs Linda e Dircinha Batista, e se estende com força até hoje: o sucesso recente de Elis, a musical, que chega a São Paulo em 12 de março, é evidência da longevidade do gênero.

A música popular, no entanto, pode se prestar a outro tipo de uso no teatro. E é isso que o diretor Dagoberto Feliz e a cia. Coisas Nossas resolvem testar em Vinicius. Nessa homenagem ao poeta e compositor, os dados biográficos ficam de lado. Ocupa o primeiro plano o processo criativo do autor. A gênese de sua poesia. Sua maneira de se relacionar com a arte, com o mundo e, especialmente, com as mulheres.

No cenário, a montagem já oferece ao público uma chave para a compreensão de sua proposta. Na cena inicial, que acontece fora da sala de teatro, os atores convidam os espectadores a adentrar em uma “casa”, sem portas, janelas ou paredes. “Um espaço onírico”, na definição do encenador. Lá, será possível confrontar-se com as muitas facetas de Vinicius: o romântico, o boêmio, o criador. Existe um lugar para o violão. A escrivaninha repleta de papéis e com uma garrafa de uísque sempre aberta. Um banco de praça para os encontros amorosos. Uma banheira – alusão ao lugar onde o escritor foi encontrado morto, em 1980.

Elenco masculino da Cia. Coisas NossasSem créditos

Elenco masculino da Cia. Coisas Nossas

Esse é o segundo espetáculo do grupo. Antes, também sob a direção de Dagoberto Feliz, eles lançaram Noel, o poeta da vila e seus amores. À ocasião, o texto era assinado por Plínio Marcos e vinha pontuado por 28 canções do compositor carioca. Personagens essenciais à trajetória de Noel despontavam no palco, entre eles Aracy de Almeida – sua grande intérprete – e o desafeto Wilson Batista. Naquela obra, a cenografia remetia a um cabaré e os episódios mais marcantes da trajetória do sambista iam sendo desfiados.

Na peça pela qual a cia. se aventura agora, o processo criativo foi distinto. Além de abandonar o viés biográfico, a obra não partiu de uma dramaturgia prévia, mas de um texto construído pelos próprios intérpretes. “É um espetáculo mais de sensações do que dados biográficos. Tem esse lado do delírio, do sonho”, comenta Dagoberto, reconhecido principalmente por seu trabalho no grupo Folias D’Arte. O roteiro elege uma seleta de canções: das onipresentes Chega de saudade e Minha namorada até temas menos conhecidos como O astronauta. Também lança mão de poemas e crônicas. Assim, quase tudo o que é dito durante a encenação foi escrito pelo próprio poetinha. Uma maneira de torná-lo uma presença constante em cena, ainda que nenhum ator encarne sua figura.

Passados apenas alguns meses do centenário de nascimento de Vinicius, o tom de celebração é inevitável. O que não necessariamente quer dizer reverência. Curiosamente, as situações políticas abordadas não destoam tanto do contexto contemporâneo. Versos que fazem menções às mulheres, porém, podem provocar estranhamento. E são, por isso mesmo, tratados com ironia. Afinal, não se concebe hoje que alguém diga que uma mulher deve ser “feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor/ E para ser só perdão”. Para Dagoberto, esse tratamento “crítico” dispensado à obra do escritor não quer dizer que “a poesia dele tenha perdido força com o tempo”. “Mas alguns dos temas nos quais ele toca são percebidos hoje de maneira diferente.”

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C6, em 4/3/2014.

Relação com mulheres é um dos eixos do musicalSem créditos

Relação com mulheres é um dos eixos do musical

Serviço:
Vinicius de vida, amor e morte
Quando: sextas, às 20h; sábados, domingos e feriados, às 19h. De 7/3 a 30/3.
Onde: Sesc Santo Amaro (Rua Amador Bueno, 505, São Paulo, tel. 11 5541-4000).
Quanto: R$ 8 a R$ 16.

Ficha técnica:
Texto: Vinicius de Moraes (poesias e canções)
Direção: Dagoberto Feliz
Pesquisa literária e dramaturgia: Cia. Coisas Nossas de Teatro
Direção musical: Alexandre Moura e Dagoberto Feliz
Com: Lívia Camargo, Cristiano Tomiossi, Cibele Bissoli, Conrado Caputto, Gisela Millás, Helder Mariani, Katia Naiane, Lucelia Sergio, Rodrigo Scarpelli, Sueli Andrade
Músicos: Alexandre Moura (violão e piano), Flavio Rubens (clarineta e flauta transversal), Marco Rochael (clarineta), Miró Parma (percussão e bateria) e Rodrigo Scarpelli (contra-baixo)
Cenografia e Adereços: Marcela Donato
Assistência de cenografia: Marita Prado
Figurinos: Fernando Fecchio
Iluminação: Lui Seixas
Fotografia: Miró Parma
Produção executiva: Adriane Gomes
Produção geral: Lívia Camargo e Cristiano Tomiossi
Idealização: Lívia Camargo
Assessoria de comunicação: Arte Plural

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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