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Reportagem

Moda teatral

12.5.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Caio Gallucci

Os grandes nomes da moda sempre visitaram as artes cênicas. Desde que Chanel concebeu os trajes de várias produções do Ballets Russes, no início do século 20, os estilistas são chamados a assinar figurinos para dança, ópera e teatro. Christian Lacroix, Valentino, Versace e Stella McCartney são apenas alguns dos representantes desse intenso trânsito entre palco e passarela.

Por aqui, porém, a prática nem sempre foi bem vista. E só agora o panorama começa a mudar. “A moda sempre esteve próxima das artes cênicas. No Brasil é que sempre houve um preconceito muito grande – e que ainda existe – com o diálogo entre esses dois setores da cultura”, considera Ronaldo Fraga.

Autor de figurinos para importantes companhias – como a 1.º Ato, o grupo Corpo e a São Paulo Companhia de Dança -, o mineiro pode ser frequentemente visto em cena. “Acaba sendo um exercício de liberdade. Quando crio uma coleção, preciso pensar no mercado, no cliente. No teatro, não tenho esse compromisso”, diz ele. “Me organizo para fazer ao menos três ou quatro produções por ano. Queria ter tempo para fazer mais”, diz ele.

Quem também pode ser facilmente encontrado nos teatros é Fause Haten. Reconhecido por suas apresentações na SPFW, o estilista diz-se um apaixonado pelo palco. “Ele possibilita que você faça mágica”, acredita ele, que já assinou trajes de uma série de títulos recentes, entre eles A madrinha embriagada, O mágico de Oz e Alô, Dolly.

Os musicais, aliás, têm sido um dos motores desse diálogo com o mundo dos desfiles. Em expansão, trata-se de um mercado em que as vestimentas são particularmente importantes à transmissão da trama.

Mesmo demonstrando-se um entusiasta da presença fashion nas artes, Haten faz ressalvas. “No palco, não basta a roupa ser bonita. Ela tem que estar em diálogo com tudo o que está acontecendo, com a luz, com o cenário.”

Para Fabio Namatame, respeitado figurinista, a aproximação com a moda pode trazer inúmeros benefícios. “Sempre tentei entender o raciocínio do estilista. Eles têm um olhar para o corpo que é diferente”, diz. No entanto, ele também indica elementos a que o profissional da moda deve estar atento quando estiver criando para a cena. “Parece que é simples, basta escolher uma roupa. Mas não é assim. O figurino diz muito do personagem que o ator vai interpretar”, pontua ele, que se formou em publicidade.

Anos 1930 inspiram Namatame em ‘Vidas privadas’

Com cada estilista, a experiência de se aproximar dessa outra arte tem um ritmo distinto. Glória Coelho já havia criado figurinos para Daniela Mercury e Os Mutantes, quando foi chamada a participar de montagens teatrais. Recentemente, seu trabalho esteve presente em The pillowman e em Trágica.3. “No caso da primeira, o diretor tinha muita consciência do que queria e eu executei as peças nesse sentido. Já em Trágica.3, utilizei trajes que já existiam e fui adequá-los aos personagens. Foi mais uma troca ideias do que um processo de criação.”

Em outros casos, o entusiasmo de quem atravessa a “fronteira” é tamanho que o figurino torna-se apenas o primeiro passo de uma relação mais aprofundada. Haten chegou a se formar na Escola Célia Helena de Teatro e hoje, além de assinar figurinos, também se lançou como ator. Atualmente, está em cartaz com o espetáculo A feia Lulu, no qual conta a história de Yves Saint-Laurent. “Percebi que o teatro me interessava de uma outra maneira. Eu queria estar no palco”, comenta. “O desfile é uma noite e acabou. Com o teatro, você fica em cartaz.”

Para Fraga, os figurinos também serviram de porta de entrada para outras funções dentro da encenação. Em Fonchito e a lua, espetáculo infantil inspirado na obra de Mario Vargas Llosa e dirigido por Daniel Herz, ele passa a responder pela “direção criativa”, que compreende não só o figurino, mas a cenografia e o projeto gráfico.

“Tudo foi acontecendo muito naturalmente. O processo de criação das minhas coleções já é no fundo muito similar a esse dos espetáculos”, explica. “As minhas criações de moda seguem um texto, a construção de personagens, de uma história. E isso é exatamente o que acontece no teatro e na dança.”

Desenho de Fraga para figurino de ‘Fonchito e a lua’

Em vários espetáculos da temporada paulista é possível conferir a presença dos estilistas. Com direção de Guilherme Leme, a peça Trágica.3 (em cartaz no CCBB) tem figurinos assinados por Glória Coelho. As peças trazem um ar contemporâneo a personagens das antigas tragédias gregas. Em Tribos (Teatro Tuca), protagonizada por Antonio Fagundes e dirigida por Ulysses Cruz, as roupas dos personagens – trajes completamente negros que vão ganhando cores ao longo da trama – foram criadas por Alexandre Herchcovitch. Em Anne Sullivan e Helen Keller – A luta pela inclusão social (Teatro Maria Della Costa) a jovem estilista Heloisa Faria é a responsável pelas vestimentas de época. Os figurinos de Fause Haten estão presentes em duas produções: A madrinha embriagada (Fiesp) e em A feia Lulu (Faap).

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C1, em 12/5/2104.

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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