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Crítica

Musical sobre Lupicínio privilegia o mito

3.6.2014  |  por Fábio Prikladnicki

Foto de capa: Daniel Scherer

Celebrando o centenário de nascimento de Lupicínio Rodrigues (1914–1974), o espetáculo Lupi, o musical – Uma vida em estado de paixão estreou neste fim de semana no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Escrita e dirigida por Artur José Pinto, a peça se estrutura em dois planos entrelaçados. No tempo presente da narrativa, Lupicínio (Juliano Barreto) e seu parceiro Alcides Gonçalves (Lucas Krug) esperam por uma entrevista consagradora no auge da fama. Em um segundo plano, episódios da vida de Lupi (aqui interpretado por Gabriel Pinto) são recontados, da infância ao sucesso [a foto no alto traz Pinto na juventude e Barreto na maturidade].

Lupi, o musical
garante a satisfação do público com boas interpretações de grandes composições e outras menos conhecidas. Todos no elenco são cantores à altura da empreitada, e o regional de seis músicos dirigidos pelo violonista Mathias Pinto reproduz a batida cadenciada do samba-canção com competência. Nani Medeiros se destaca com ótimos números musicais em que interpreta, com emoção e fidedignidade, Elis Regina e Elizeth Cardoso. Pâmela Amaro também garante um bom momento cantando como Elza Soares.

A dramaturgia é o elo frágil. O texto parece costurado de maneira a dar conta das histórias por trás das canções (conforme relatadas por Lupicínio em crônicas e entrevistas), em vez de colocar as canções a serviço do drama. Privilegia o mito em detrimento dos fatos, caindo na cilada armada pelo próprio Lupicínio de fantasiar sua biografia. O público sai do teatro com a impressão de não ter descoberto nada de muito novo sobre o personagem.

Juliano Barreto, como o Lupi maduro, e Gabriel Pinto, como sua versão jovem, cantam em um registro mais imponente do que aquele que o compositor emprestava às suas canções, o que não é qualquer sacrilégio dentro das convenções deste trabalho. A qualidade musical da dupla é superior à teatral: neste quesito, carece de convicção e carisma. Como um todo, o elenco faz valer o espetáculo. Dentro de um contexto realista, é ousada a escolha de uma atriz (Pâmela Amaro) para viver Lupi na infância, o que confere graça ao papel.

Especialmente pelo trabalho musical, o espetáculo é uma homenagem contagiante, mesmo que irregular, a um personagem que continua sendo uma esfinge à espera de bons decifradores.

.:. Publicado originalmente no jornal Zero Hora, Segundo Caderno, p. 5, em 3/6/2014.

.:. Leia sobre a montagem de outro musical paulista que também celebra o legado de Lupicínio Rodrigues, aqui.

REPORTAGEM

Espetáculo trocou a direção a 43 dias da estreia

Que Lupicínio Rodrigues tinha várias facetas todo mundo sabe. Mas o musical sobre sua vida que estreia neste sábado (31/5), no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, leva a ideia ao pé da letra: o compositor gaúcho mais popular de todos os tempos será interpretado por três pessoas, entre elas uma moça. Caberá a Pâmela Amaro o papel de Lupi quando criança. A juventude será representada por Gabriel Pinto, e a maturidade, por Juliano Barreto, idealizador do projeto.

A homenagem chega no ano do centenário de nascimento do bardo da dor de cotovelo, a ser completado em 16 de setembro. Lupi, o musical – Uma vida em estado de paixão terá sessões neste sábado, às 21h, e domingo, às 18h, com ingressos esgotados.

O espetáculo é escrito e dirigido por Artur José Pinto, que assumiu esta segunda função apenas 43 dias antes da estreia, quando o diretor Zé Adão Barbosa deixou o projeto por discordância artística com a equipe. Embora tenha pesquisado em diferentes fontes, Artur explica que o musical (autorizado pela família de Lupi) não é uma biografia:

– Não é uma investigação científica sobre a vida do Lupicínio. Trabalhamos os mitos, o artista que todo mundo aprendeu a receber. A peça não se compromete em colocar a verdade nua e crua, mas a verdade do Lupicínio.

Suspeita-se que Lupi tenha fantasiado sobre a própria trajetória, como na controversa hipótese de que suas músicas chegaram ao Rio por meio de marinheiros que as ouviram em Porto Alegre. Na dúvida, o musical apresenta duas versões: a dos marinheiros e a de que as canções chegaram ao centro do país por meio de Alcides Gonçalves e outros intérpretes.

Em meio a uma dramatização de episódios da vida do artista, serão apresentadas 21 canções, como Cadeira vazia, Nervos de aço, Se acaso você chegasse e Felicidade. O acompanhamento, ao vivo, será de um regional composto por seis instrumentistas, entre eles o diretor musical Mathias Pinto.

Gabriel e Juliano, os dois Lupicínios adultos, são cantores que aparecem aqui em seus primeiros papéis no palco. Explicam que não procuram emular o estilo de voz característico do artista, menos grandiloquente do que seus intérpretes da época.

“Para ficar natural, procuramos trazer um pouco de nós mesmos ao papel”, explica Juliano.

Gabriel acrescenta:

“Em determinadas músicas, puxamos para uma dinâmica mais lupiciniana, essa coisa que fica entre a impostação e a bossa nova.”

.:. Publicado originalmente no jornal Zero Hora, Segundo Caderno, p. 3, em 30/5/2014.

Ficha técnica:
Dramaturgia e direção cênica: Artur José Pinto
Direção musical e arranjos: Mathias Pinto
Com: Juliano Barreto, Nadya Mendes, Nani Medeiros, Pâmela Amaro, Cíntia Ferrer, Gabriel Pinto, Lucas Krug, César Pereira e Raul Voges
Coreogra­fia e cenografi­a: Raul Voges
Figurinos: Fabrízio Rodrigues
Músicos: Mathias Pinto (violões), Guilherme Sanches (percussão), Lucian Korlow (flauta), Samuca do Acordeon (acordeon), André (trombone), Luis Barcelos (bandolim e arranjos)
Fotografi­a: Daniel Scherer
Projeto grá­fico: Rafael Franskowiak
Web design: João Pedro
Assessoria de imprensa: Bruna Paulin – Assessoria de Flor em Flor
Produção executiva: Ana Helena Rilho e Renata Becker
Direção de produção: Nadya Mendes
Promoção: Ckooqo Entertainment

Jornalista e doutor em Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É setorista de artes cênicas do jornal Zero Hora, em Porto Alegre (RS). Foi coordenador do curso de extensão em Crítica Cultural da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo (RS). Já participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival Porto Alegre Em Cena. Em 2011, foi crítico convidado no Festival Recife de Teatro Nacional.

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