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Reportagem

Sorver e subverter as raízes da tragédia

3.7.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Mariano Czarnobai e Juliana Alabarse/Creative

Ao assistir ao nohttps://teatrojornal.com.br/wp-admin/upload.phpvo espetáculo do diretor Luciano Alabarse, o espectador pode esperar encontrar uma tragédia moderna em cena. A vertigem dos animais antes do abate estreia amanhã [3/7], às 21h, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. O texto é assinado pelo autor grego Dimítris Dimitriádis (nascido em 1944), que bebe na fonte da tragédia grega clássica. “Essa mistura de um texto absolutamente contemporâneo, que usa elementos remissivos ao berço do teatro ocidental, é algo muito explosivo”, comenta Alabarse, que divide, mais uma vez, a direção com Margarida Peixoto.

O autor foi encenado no Brasil em 2013 pela paulista Kiwi Cia., em Morro como um país, e é muito conceituado em toda a Europa. Ganhou fama mundial quando o diretor francês Patrice Chéreau (falecido em 2013) montou uma de suas peças. O texto, escrito em 2000, chegou às mãos de Alabarse pelo ator Marcelo Adams, que trouxe alguns livros quando esteve em Portugal – entre eles, estava o texto de Dimitriádis. Ao ver o material, Alabarse se entusiasmou. Profundo conhecedor da tragédia grega clássica, o curador e coordenador do Poa em Cena já dirigiu Antígona, de Sófocles, Medeia, de Eurípides e adaptou duas tragédias de Sófocles (Édipo Rei e Édipo em Colono) além de Ifigênia em Áulis + Agamênon.

Os elementos do teatro grego clássico são facilmente reconhecidos no texto de Dimitriádis, segundo o diretor. Há o recurso do “deus ex machina” – expressão utilizada para indicar uma solução inesperada, improvável, sem uma lógica. Também há a composição do coro que, neste texto, ganha uma amplitude e dinâmica, sendo interpretado por Mauro Soares, Plínio Marcos e Alexandre Silva. Também estão em cena situações que remetem às relações de personagens da mitologia grega como Édipo (conhecido por matar o pai e casar-se com a própria mãe).

A peça mostra uma família na qual, decorridos 30 anos, tem suas relações marcadas pelo rompimento de tabus sexuais, como o incesto (A vertigem dos animais…, aliás, tem classificação indicativa de 18 anos). Casado com Militsa (Ida Celina), Nilos Lákmos (Marcelo Adams) é atormentado em relação à sua sexualidade. O casamento gerou três filhos: Emilius (Pingo Alabarce), Evguenius (Gustavo Susin) e Starlet (Áurea Baptista). Também surge na trama um amigo da família, Fílon (Elison Couto – foto de cena no alto deste texto). Todos dão vazão às suas paixões e interdições emocionais, o que os levará à loucura e ao crime.

“Quando terminei o texto, pensei: isso é uma descida ao inferno. Essa família vai em direção ao primitivo, ao instinto puro, à pré-organização social da civilização ocidental”, revela o diretor, lembrando que nunca havia dirigido uma montagem com tantas cenas de nudez. Levando ao pé da letra a primeira sensação, Alabarse propôs uma encenação baseada nas ideias do inferno de Dante. Ele se refere à primeira parte da Divina comédia, do autor italiano. De acordo com a descrição de Dante, o inferno consiste em nove círculos e, dependendo da gravidade do crime ou pecado, uma pessoa é enviada para cada um deles.

Ida Celina e Marcelo Adams codirigidos por Alabarse

Neste caso, os personagens da trama poderiam ser localizados, segundo o diretor, no Vale dos Ventos, região na qual padecem os luxuriosos. “Essas ideias, de alguma forma encaminharam a encenação, pois toda a marcação do espetáculo é circular, já que o vento fica em permanente círculo. É como se estivessem aprisionados no inferno deles”, conta o encenador.

Para atingir essa proposta, o processo de criação foi diferente. Os atores propunham o desenho de suas cenas para que Alabarse e Margarida partissem deste conceito. “Meus atores não são só atores. São atores/autores, atores/criadores, não só dos personagens, mas de todo o espetáculo visual que aprontamos”, revela Alabarse.

“Encontrei nesta peça um Luciano bem diferente. Com uma concepção clara como ele sempre tem, mas, ao mesmo tempo, com um espaço muito grande de criação para atores, foi algo desafiador”, comenta a atriz Ida Celina, uma constante parceira do diretor gaúcho nos espetáculos e que, na opinião dele, interpreta um de seus melhores papéis até hoje.

Plínio Marcos, assim como Elison Couto, nunca havia trabalhado com Alabarse – ele é um dos componentes do coro. “Neste processo de criação tivemos liberdade para propor. Abolimos o cigarro que estava indicado no texto para o coro e colocamos, no lugar, comida para aproximar da ideia de um coro mais animalesco”, enfatiza Marcos.

Outro importante elemento no trabalho de Alabarse é a trilha sonora. Ele faz uso do disco Que isso fique entre nós, do paulistano Pélico, e chamou Muni para cantar, ao lado do maestro Everton Rodrigues no piano, que também interpreta Handel e Chopin. “A trilha tem a função de ilustrar a cena e de proporcionar ao espectador um respiro, pois o texto é um soco no estômago”, avalia a cantora. É essa crueza toda que espera os espectadores a partir desta quinta-feira no Theatro São Pedro.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 2/7/2014.

Serviço:
Onde: Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n)
Quando: De 3 a 6/7 e de 9 a 13/7, às 21h – nos domingos, dia 6, às 18h, e dia 13, às 20h. A Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre promove debates sobre o tema da peça às sextas-feiras.
Quanto: R$ 20 e R$ 60.

Ficha técnica:
Direção: Luciano Alabarse e Margarida Peixoto
Texto: Dimitris Dimitriátis
Com: Marcelo Adams, Ida Celina, Elison Couto, Pingo Alabarce, Gustavo Susin, Áurea Baptista, Mauro Soares, Plínio Marcos e Alexandre Silva
Direção musical: Everton Rodrigues
Iluminação: João Fraga e Maurício Moura
Figurinos: O Grupo
Maquiagem: Elison Couto
Pintura do cenário e adereços: Adalberto Almeida
Programação gráfica: Dídi Jucá
Fotografia: Mariano Czarnobai e Juliana Alabarse/Creative
Produção executiva: Fernando Zugno e Miguel Arcanjo
Coordenação do projeto: Luciano Alabarse

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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