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Crítica

‘Incêndios’ transporta tragédia aos nossos dias

7.10.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Leo Aversa

Levar a vida é preciso: aproveitar o momento, não se preocupar muito porque tudo passa rapidamente. Eis a receita do homem contemporâneo para escapar do trágico. Incêndios, espetáculo do autor libanês Wajdi Mouawad protagonizado por Marieta Severo, vem demonstrar quão tolo – ou inútil – pode resultar esse estratagema do nosso tempo. Da tragédia não se escapa. O terrível não respeita nossos planos, não se curva às nossas conveniências. Não existe consolo, esse artista parece nos dizer. Mas existe o afeto.

Na obra, em cartaz no Teatro Faap, Marieta vive Nawal, uma mulher que entrega a seus filhos a responsabilidade de descobrir suas origens. Porque, segundo um dos personagens, “há verdades que não podem ser reveladas, precisam ser descobertas”.

A narrativa tem início após a morte de Nawal, no dia da leitura de seu testamento. Depois de ter se calado por mais de cinco anos, essa mãe escreve a seus filhos gêmeos, Simon e Jeanne, pedindo que eles encontrem seu pai – que acreditavam morto – e seu irmão – cuja existência desconheciam.

A partir desse enigma, três narrativas correm em paralelo. Retornamos à juventude da protagonista. Observamos, em separado, os percursos desses dois irmãos: ela, na ânsia de entender as contradições maternas; ele, disposto a apagar o passado e forjar sua própria identidade.

Na encenação de Aderbal Freire-Filho, não há espaço para truques ou ilusionismos. Nessa perspectiva, Marieta Severo é capaz de atravessar os tempos como uma menina apaixonada ou uma guerrilheira em combate contra a guerra civil. Os mesmos atores estão aptos a assumir diversos papéis. Passado e presente podem conviver e se encontrar em uma mesma cena.

Traços assim delimitam as diferenças entre o teatro e o cinema, suporte para o qual Incêndios foi adaptado com sucesso pela direção de Denis Villeneuve. E podem ser indicativos da prevalência do primeiro sobre o segundo.

A proximidade com o gênero trágico é uma das potências maiores da criação de Mouawad. Sua capacidade de beber e subverter a forma ancestral. Tal opção, contudo, torna mais árduo o caminho dos atores. No lugar dos gêmeos, os intérpretes Felipe de Carolis e Keli Freitas oscilam entre momentos mais e menos felizes. Sem ceder a excessos, Marieta Severo se equilibra com elegância. Mas, se não incorre no drama, causa a estranha impressão de, por vezes, proteger-se ou preservar-se da tempestade que toma o palco.

.:. Texto publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C3, em 7/10/2014.

Serviço:
Onde: Teatro Faap (Rua Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo, tel. 11 3662-7233)
Quando: Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 17h. Até 14/12.
Quanto: R$ 60 (sexta) e R$ 90 (sábado e domingo).

.:. Leia reportagem de Michele Rolim sobre a passagem de ‘Incêndios’ por Porto Alegre em março de 2014, aqui.

Ficha técnica:
Texto: Wajdi Mouawad

Tradução: Angela Leite Lopes

Direção: Aderbal Freire-Filho

Com: Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Fabianna de Mello e Souza, Flavio Tolezani e Isaac Bernat


Cenografia: Fernando Mello da Costa

Iluminação: Luiz Paulo Nenen

Figurinos: Antonio Medeiros

Trilha sonora: Tato Taborda


Direção de produção: Maria Siman

Produção executiva: Luciano Marcelo

Produtores: Maria Siman, Felipe de Carolis e Marieta Severo

Produtor associado: Pablo Sanábio

Idealização do Projeto: Felipe de Carolis
Assessoria de imprensa: Factoria Comunicação
Realização: Primeira Página Produções, Emerge e Teatro Poeira

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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