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Reportagem

Testemunhos teatrais

21.11.2014  |  por Gabriela Mellão

Foto de capa: Lenise Pinheiro

Em seus últimos suspiros teatrais, Rodrigo Bolzan declara: “Eu luto até o fim, com unhas e dentes. Quero viver ainda que seja sem pele. Engulo a morte e não sei mais nada”. O ator serve-se de um trecho de Baal, de Bertolt Brecht para compor seu testamento profissional.

Danilo Grangheia, Georgette Fadel, Luah Guimarãez e Luciana Schwinden também recorrem a grandes obras do teatro mundial para se despedirem dos palcos. “O que eu desejo agora, com toda a minha força, ultrapassa os deuses. Quero misturar o céu e a terra, confundir a beleza e a feiura, fazer com que o riso nasça do sofrimento”, afirma em cena Danilo Grangheia, parafraseando Calígula, de Albert Camus.

Os cinco atores de destaque da cena teatral do país abandonam o ofício em Let’s just kiss and say goodbye [Vamos nos beijar e dizer adeus], espetáculo de Elisa Ohtake em cartaz na cidade de São Paulo.

Nele, a morte revela-se passaporte para o renascimento. Apesar de ser um final ficcional, o espetáculo de Othake faz com que os atores experienciem o final de suas carreiras. O que deixaram de fazer? O que fariam diferente? Como seria isso? Quais os sonhos ainda não realizados? O que desejariam dizer em cena, como testamento artístico?

A provocação de Elisa Othake buscou desestabilizar o elenco e gerar vitalidade no palco, desta vez no teatro – recentemente em Tira meu fôlego, que esteve em cartaz na cidade este ano, a encenadora transformou desafio semelhante em espetáculo de dança. “Queria provocar esses atores que admiro, quase constrangê-los. Os cinco experimentam a desmedida neles mesmos, saem e entram do tom. É um desafio geral”, diz ela.

A dor e as delícias da morte teatral são degustadas em Let’s just kiss and say goodbye numa sucessão de solos. Belos trechos da obra de Shakespeare, Pinter, Tchekhov, Gorki, Racine, Brecht, Eurípides, Martin Pena e muitos outros são apresentados em cena.

A palavra de ordem é liberdade. Os atores realizam todos os seus desejos profissionais em cena, acumulados em cerca de vinte anos dedicados ao ofício. E de uma só vez, despejando nestes atos a intensidade emocional de uma morte. É neste entregar-se ao jogo teatral sem ressalvas, sem amarras, que o espetáculo se destaca.

A possibilidade do erro gera uma ânsia por um radicalismo raro de se ver numa interpretação teatral. Ao mesmo tempo, a linguagem aparentemente improvisada vem carregada de despretensão. “Não existe a preocupação de acertar, entramos no palco tendo, de cara, o perdão. E este descompromisso vem imbuído da vontade de radicalizar”, explica Georgette Fadel, que interpreta alguns personagens improváveis em cena, como uma corujinha levada (munida de um roupão de coruja) e a Dama das Camélias.

Neste caldeirão de Othake temperado por generosas doses de liberdade e desejo, experimento se transforma em acontecimento.

Passagem autoral

Danilo Grangheia – “Que é um deus para que eu queira me igualar a ele? O que eu desejo agora, com toda a minha força, ultrapassa os deuses. Quero misturar o céu e a terra, confundir a beleza e a feiura, fazer com que o riso nasça do sofrimento.” Calígula, de Albert Camus

Georgette Fadel – “Sobre lonjuras de montanhas nuvens súbitas dissolvem-se. Lua clariluna sobre a torre. E mesmo para nós, inábeis de altura, incapazes de poema, um céu nos extravaza o coração: visão inolvidável!” Hagoromo, de Zeami

Rodrigo Bolzan – “Eu luto até o fim, com unhas e dentes. Quero viver ainda que seja sem pele. Engulo a morte e não sei mais nada. Gosto do escuro. Com champagne no corpo e saudades sem memória.” Baal, de Bertolt Brecht

Luciana Schwinden – “Eu me detesto muito mais do que tu me detestas, são testemunhas os deuses que acenderam em meu ventre o fogo fatal a toda minha raça. Deuses que se orgulham de uma glória vil, de seduzir a mim uma pobre mortal.” Fedra, de Racine

Luah Guimarãez – “Você viu Deus e não me viu. Se você tivesse me olhado, você teria me amado. O mistério do amor é maior que o mistério da morte.” Salomé, de Oscar Wilde

Serviço:
Onde: Sesc Santana (Avenida Luiz Dumont Villares, 579, Jardim São Paulo, São Paulo, tel. 11 2971-8700)
Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 18h. Até 14/12 (exceto dias 6 e 7/12).
Quanto: R$ 8 a R$ 40.

Ficha técnica:
Concepção, direção, dramaturgia geral: Elisa Ohtake
Atores criadores: Danilo Grangheia, Georgette Fadel, Luah Guimarãez, Luciana Schwinden e Rodrigo Bolzan.
Assistente de direção: Marcel Darienzo
Iluminação, cenário: Elisa Ohtake
Fotos: Lenise Pinheiro
Produção: Stella Marini

Autora, diretora e jornalista teatral. Pós-graduada em Jornalismo Cultural na PUC-SP, estudou Cultura e Civilização Francesa na Sorbonne, em Paris, e Dramaturgia e História do Teatro Moderno em Harvard, Boston. Escreve para Folha de S.Paulo e revista Vogue. Compõe o júri do prêmio APCA de teatro. É autora e diretora de Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade (2014), peça convidada a integrar o Festival de Avignon de 2015. Tem cinco peças encenadas, Ilhada em mim – Sylvia Plath (indicada ao prêmio de melhor direção pela APCA de 2014); Espasmo (2013); Correnteza (2012); Parasita (2009), A história dela (2008), além de um livro publicado com suas obras teatrais: Gabriela Mellão – Coleção primeiras obras. Lecionou Laboratório de Crítica Teatral para o curso de Jornalismo Cultural na pós-graduação da Faap, entre 2009 e 2012. Foi crítica da revista Bravo! entre 2009 e 2013, ano de fechamento da mesma.

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