Crítica
O desastre inesperado que devastou Fukushima, em 2011, devastou corpos, almas, esperanças e olhares. Arrancou lágrimas, sonhos e a paz de milhares de pessoas do Japão e do mundo. No palco, o acidente nuclear continua a suscitar essa lembrança de tragédia e dor na excelente montagem Fukushima mon amour, do sempre preciso bailarino de Butoh-MA Tadashi Endo. O trabalho foi apresentado de quinta (7) a sábado (10) na Caixa Cultural Recife.
Usando a técnica de dança/filosofia japonesa, criada no pós-guerra, na década de 1970, que une referências de vanguardas artísticas e dialoga a cultura ocidental com a oriental, Tadashi – um dos grandes nomes dessa arte no mundo – recria uma dramaturgia corporal tomando como base o sofrimento, a morte e a vida. A montagem segue um caminho narrativo que remonta, de maneira livre, as várias situações desencadeadas pelo acidente.
Tadashi revive pelos gestos e expressões os primeiros momentos da tragédia, caminha pelos destroços humanos e materiais, revisita a dor de homens e mulheres destruídos, das crianças mortas e, ainda, do renascimento da vida a partir da esperança. É um espetáculo sofrido e pesado para quem assiste, sentimentalmente falando, e sobretudo doído para quem o interpreta.
Com uma excelente precisão técnica, o bailarino usa o corpo inteiro como expressão de dor e sofrimento. Nos faz compadecer e sentir sua aflição nas tantas faces de desespero e martírio vivido pelas tantas vítimas diretas e indiretas do desastre.
Tadashi Endo, em cena, se utiliza de uma composição fundamental de cenário e trilha sonora. Ambas ferramentas cênicas prezam pela simplicidades, mas acertadamente constroem um conjunto harmônico. A música do brasileiro Daniel Maia (que assina a coautoria do espetáculo) é erguida de ruídos naturais, de gritos e sussurros; enquanto o cenário pontua paisagens, espíritos e marcas, quando não a completa escuridão da vida e da alma de quem sofre.
Fukushima mon amour, que já havia estreado na Alemanha (onde mora Tadashi), agora faz sua turnê internacional pelo Brasil – passando por Fortaleza, São Paulo e Brasília – Suíça, Costa Rica e Estados Unidos. É um espetáculo de dor e reflexão que nos coloca a reviver diariamente o sofrimento de Fukushima e o de tantas dores de muito outros povos e nações.
.:. Publicado originalmente no blog Terceiro Ato, 14/01/2015.
Ficha técnica:
Concepção, coreografia e dança: Tadashi Endo
Diretor musical e compositor: Daniel Maia
Iluminação: Matthias Alber e Tadashi Endo
Vídeo arte e efeitos visuais: Jürgen Salzmann
Dramaturgia: Sabine Trötschel
Turnê Brasil 2015:
Iluminação: Maurício Shirakawa
Sonorização: Daniel Maia
Vídeo: André Menezes
Produção executiva: Mariana Novais
Diretor de produção: Pedro de Freitas
Produção no Brasil: Périplo Produções
Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e cursa o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvendo uma pesquisa sobre masculinidade no teatro, com foco na obra do Grupo Magiluth. Escreve para a Folha de S. Paulo, UOL Entretenimento e revista Continente. Foi repórter de cultura do Jornal do Commercio, de 2011 a 2016, e titular do blog e da coluna Terceiro Ato. Integrou o núcleo de pesquisa da Ocupação Laura Cardoso (2017), do Itaú Cultural. Coordena a equipe de comunicação da SP Escola de Teatro. E é membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IACT).