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Reportagem

Imersão argentina no Festival Dois Pontos

21.3.2015  |  por Daniel Schenker

Foto de capa: Pierre Borasci

Ocasionalmente, o público brasileiro assiste em festivais de teatro a montagens da Argentina assinadas por nomes como Mariano Pensotti (Cineastas), Rafael Spregelburd (La estupidez), Emilio Garcia Wehbi (Dolor exquisito), Daniel Veronese (La forma que se despliega, La noche canta sus canciones, Espia a una mujer que se mata, Teatro para pájaros) e Claudio Tolcachir (La omisión de la família Coleman e Tercer cuerpo, ambas da companhia Timbre 4). Tercer cuerpo, inclusive, integra a programação do Festival Dois Pontos, que está trazendo para o Rio de Janeiro uma seleção de oito espetáculos argentinos (dois deles, estreias mundiais).

O evento, que segue até o dia 29, inclui ainda duas montagens brasileiras, um trabalho de dança, uma mostra de esquetes, duas oficinas, três residências e quatro shows. A idealização e a direção do festival são frutos da parceria de seis ocupações artísticas dos teatros do município: Ágora, Câmbio, Os Ciclomáticos, No Lugar, Projeto_ENTRE e Vem!.

Naturalmente, a programação foi distribuída pelos espaços onde as residências estão instaladas – Espaço Cultural Sérgio Porto, Teatro Café Pequeno, Gonzaguinha, Ipanema, Maria Clara Machado e Ziembinski -, além do Galpão Gamboa. “Cada residência escolheu as próprias encenações. Procuramos respeitar o perfil de cada teatro”, observa André Vieira, coordenador do festival ao lado de Marta Vieira.

Destaque da programação com dois espetáculos – Constanza muere e Luisa se estrella contra su casa, apresentado no festival Porto Alegre em Cena de 2009 -, o dramaturgo Ariel Farace realça a importância do teatro independente na Argentina. “Em Buenos Aires, há uma diversidade interessante. O teatro independente conta com prestígio e público grande e variado. As encenações evidenciam as vozes e os discursos mais contemporâneos. Esse teatro se torna um espaço de pertencimento, uma ferramenta onde a cidade se pensa”, assinala Farace.

As duas estreias mundiais desta edição (a primeira, há dois anos, homenageou Portugal) são a já citada Constanza muere, texto e direção de Farace, e Capitán, criação de Agustín Mendilaharzu e Walter Jakob em parceria com a Timbre 4. No primeiro espetáculo, uma mulher idosa que vive sozinha ensaia, numa tarde, a própria morte. As temáticas da solidão e da morte também despontam no mencionado Luisa se estrella contra su casa, sobre uma personagem que, ao perder o namorado num acidente de moto, se fecha para o mundo. “Falo sobre a solidão diante da morte. É quase um ditado popular: morremos sós, assim como sonhamos sós. As duas peças se passam num campo imaginário, numa realidade determinada por pensamentos ou fantasias dos personagens. A morte é o fim disso tudo. Representa o inevitavelmente certo, o inegável: todos morreremos”, desenvolve Farace.

Nadia Mastromauro é Luisa na peça de Ariel FaraceDivulgação

Nadia Mastromauro é Luisa na peça de Ariel Farace

A outra estreia mundial, Capitán, é centrada em Nicolas Molinari, um diretor de teatro afastado dos palcos há mais de uma década que se empenha em lançar uma nova peça escrita, dirigida e estrelada por ele.

Na seleção argentina, Melancolía y manifestaciones despontou como principal atração do primeiro fim de semana. A escritora e diretora Lola Arias está inserida numa vertente bastante valorizada atualmente: a dos trabalhos de natureza autobiográfica, nos quais o próprio artista aborda a sua trajetória de vida. No caso de Melancolía…, a dramaturgia foi criada com o contato entre Lola e a mãe, diagnosticada com depressão em 1976 – o ano do nascimento de Lola. Agostina López também buscou inspiração na própria vida – mais exatamente, na infância – em La laguna.

O festival programou três projetos nacionais que dialogam com dois autores argentinos: o escritor Julio Cortázar e a poeta Alfonsina Storni. Dirigido por Ricardo César, Vestida de mar traz à cena a história de Alfonsina, que, nascida em 1892, se suicidou aos 46 anos. Idealizado pelo músico Roberto Rutigliano, O perseguidor -Tributo a Cortázar e Charlie Parker homenageia o escritor argentino e o saxofonista americano com canções e leitura de trechos do conto O perseguidor, a cargo da atriz Carolina Virguëz. E a mostra Novas Conexões, da companhia Os Ciclomáticos, propõe uma releitura de textos curtos de Cortázar. Há ainda duas residências: em Flutuando, o diretor argentino Norberto Presta conduz atores brasileiros na construção de uma dramaturgia com vivências e memórias físicas sobre a água ou sua ausência; e em Lucrecia, dirigida por Alexandre Mello, o grupo mergulha no universo da renomada cineasta Lucrecia Martel.

.:. Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2, p. C5, em 20/3/2015.

.:. O site do Festival Dois Pontos, aqui.

Bacharel em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade. É doutor em artes cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UniRio. Trabalha como colaborador dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo e das revistas Preview e Revista de Cinema. Escreve para os sites Questão de Crítica (questaodecritica.com.br), Críticos (criticos.com.br) e para o blog danielschenker.wordpress.com. Membro do júri dos prêmios da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Cesgranrio e Questão de Crítica.

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