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Entrevista

Michelle Ferreira dirige seu ‘Urubu comum’

4.3.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Bob Sousa

Ela veio ao Festival de Curitiba de 2003 com 19 anos, como atriz. Na época sentia-se insegura, ainda atravessando a adolescência, uma época em que convidava amigos para fazer teatro na garagem. Agora, Michelle Ferreira, dramaturga em cartaz em São Paulo com Animais na pista (e com boas críticas), retorna como autora e diretora. Ao lado da Cia. de Teatro do Urubu, de Carolina Meinerz, ela estreia em maio Urubu comum, seu primeiro texto, ainda inédito. Na primeira visita à cidade para ensaiar, Michelle conversou com a Gazeta do Povo.

Como surgiu o texto de Urubu comum?
Esse é meu primeiro texto da fase profissionalizante, nunca foi montado em São Paulo. Era o texto de que o Antunes [Filho, do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc-SP] mais gostava. Foi o texto que, quando eu entreguei, ele disse: “Agora sim, acho que temos uma autora”. Quando você entra e passa por uma seleção, não quer dizer que vai ficar lá. Ele é um artista obcecado por sua arte. E isso contamina. A primeira peça, que eu precisava escrever em um mês, ele mandou rasgar. E pensei :“Agora você vai ver”. Fui lá, trabalhei, trabalhei… Urubu ficou sendo cozido, muita gente teve acesso, mas nunca saiu. No ano passado, a Carol veio com a proposta de montar.

Você dará a concepção da montagem?
Eu não tenho uma ideia pré-concebida. Sou estimulada por imagens. Eu respeito muito o texto, e não só o meu (risos). O diretor é um maestro e nós, uma orquestra, temos que ver como a gente vai tocar isso. Não vim com uma ideia pronta. Primeiro, estamos pensando: “O que é isso?” e depois vamos pensar: “Como fazer isso?”. Mas estamos trabalhando, ensaiando.

Onde?
Num espaço novo, La Bamba, de Candida Monte e Well Guitti.

O que instigou você a escrever o texto?
Tudo. A dramaturgia está na vida. Tem que observar, e se observar. Ao mesmo tempo é um autoconhecimento estético, mas também ético, de visão de mundo, um conjunto de observações. Tem um crime no meio, que é um peixe que cai e mata uma menina. E essa é uma história que eu ouvi uma vez em São Vicente, mas não sei se é verdade. Mas aquilo ficou. Um casal de professores está dentro de um apartamento no centro de uma cidade grande do Brasil e jogam coisas pela janela.

Você tem influência do teatro do absurdo?
Todo mundo que escreveu depois do Beckett respira um pouco do absurdo. Mas sou mais do realismo, porque a vida é louca. As coisas acontecem muito absurdamente.

Como começou a escrever?
Eu escrevo desde criança. Via filmes que não podia, que passavam no Corujão, quando as crianças estavam dormindo. Eu tinha insônia. Blade Runner com 9 anos, Carrie a Estranha… Lia bastante também, escrevia poemas, mas o que gostava mesmo era de escrever diálogos. Depois, tive uma professora que nos deu para ler Quem casa quer casa, de Martins Pena. E eu falei, com uns 12 anos, “Isso é muito chato!”. Caí na ingenuidade de falar para ela. “Então por que não escreve uma você?”, ela disse. Escrevi então minha primeira peça, Ascensão e queda de um político corrupto. Era a época pós-Collor… Tudo que eu podia resolver com teatro na escola, eu fazia. Essas coisas parecem bobagem, mas devo muito a esses professores.

Como se deu a profissionalização?
Eu morava com meus avós em Atibaia (SP), tinha piscina, parquinho e, quando chamava meus amigos, eles achavam que iam usar tudo isso, mas não: eu trancava todo mundo na garagem e dizia: “Vamos fazer teatro?”. Eu cursei a Escola de Artes Dramáticas da USP, depois entrei no CPT, onde fiquei por oito anos. Aí sim veio a noção de aprimoramento, aprofundamento. O Antunes é um grande mestre, e ele me passava muita força. Ele falava: “Você tem que ser você. Qual é o seu jeito de escrever?”. Ele não faz você reproduzir coisas.

E as encenações?
Tive que montar uma companhia, a Má Companhia Provoca, e dirigir minha própria peça para que meu texto fosse montado. Foi em 2013, Os adultos estão na sala, indicado ao Prêmio Shell. Mas já tinha escrito com Cacá Carvalho o Estudohamlet.com, e com Germano Melo Como ser uma pessoa pior. Teatro a gente não faz sozinho.

Quando você escreve? Produz um pouco todo dia?
Quando tenho uma deadline. Eu escrevi muitas peças no CPT, uma ou duas por ano.

O que, no seu texto, é muito seu?
Difícil falar sobre o próprio trabalho.

.:. Publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, Caderno G, p. 1, em 1º/3/2015.

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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