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Reportagem

Ocupação e resistência no festival Trema!

8.4.2015  |  por Mateus Araújo

Foto de capa: José Carlos Duarte

Quando a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), em março, levou ao palco tensões geográficas e políticas que assolam o mundo, sobretudo aquelas do Oriente Médio, o fez para discutir o tema através de estéticas e propostas cênicas particulares, com grupos de fora do Brasil (apenas uma peça era nacional). Embora com bem menos recursos e dimensão menor do que a MITsp (o festival paulista custou mais de R$ 3 milhões), começa no dia 8 de abril, no Recife, o Festival de Teatro de Grupo – Trema!, com um eixo curatorial que se propõe, de forma semelhante, a pensar os espaços, pertencimentos e ocupações que refletem no homem (recifense, sobretudo) contemporâneo.

Até o dia 12, o festival independente, que nesta edição tem como tema “Ocupar e resistir”, reúne, na capital, cinco companhias cujos trabalhos são frutos de pesquisa continuada de seus integrantes – o chamado teatro de grupo. Pela primeira vez, há duas atrações internacionais. Uma delas é o Mala Voadora, de Portugal, que abre a programação com a peça Protocolo, com sessões até sexta, no Teatro Hermilo Borba Filho, Bairro do Recife.

Criado a partir de um texto do rei Luiz XIV, o espetáculo brinca com as regras de etiqueta social para questionar as relações e imposições da sociedade. O grupo português trabalha uma estética bastante peculiar: o hibridismo entre teatro, dança e performance. “O que procuramos não é estabelecer uma linguagem só. Nossas peças surgem de texto que não são necessariamente dramáticos. Podem surgir de discursos de políticos e até de uma coleção de selos”, explica o diretor Jorge Andrade, que divide a cena com a atriz Anabela Almeida. O Mala Voadora é parceiro do Magiluth na criação do novo trabalho do grupo recifense que estreia em outubro na cidade do Porto (Portugal) e tratará da felicidade.

Esta terceira edição do Trema! é, talvez, uma das mais politizadas do evento que começou em 2012. “A nossa ideia é ocupar espaços da cidade do Recife – teatros e espaços públicos – com grupos que realizam investigações em torno das artes cênicas. Então, é um festival muito pulsante, que faz refletir sobre o fazer artístico nos dias atuais”, explica o diretor e ator Pedro Vilela, do Grupo Magiluth e um dos organizadores do festival. “Esse ano nos interessa muito a ideia de ocupação e resistência que esse grupos têm na sua estrutura de trabalho. O próprio grupo de teatro traz no seu cerne este ideal de resistência. Nós fazemos um tipo de arte bastante especifica, que está fora do teatro comercial ou da indústria cultura e, devido a isso, nós acabamos por ter que desenvolver uma série de atividades que visam essa resistência deste formato de trabalho. Então o recorte desta edição traz muito essa ideia: são grupos de fazeres bastante específicos que trazem estas reflexões.”

Outro destaque do festival, por exemplo, é o grupo As Travestidas, do Ceará, que apresenta a peça BR Trans. Norteado por uma investigação sobre travestis, transexuais e transformistas, o grupo é referência no teatro contemporâneo justamente por levar à cena este tema, sem meias-palavras. Um eixo performático também foi criado nesta edição, com a presença do Mazdita – o segundo grupo internacional da programação. Parceria entre artistas brasileiros e argentinos, o grupo faz performances tendo como centro as relações de memória e afetividade da cidade, seus cidadãos e os espaços que pertencem a todos.

O Magiluth, anfitrão do festival, vai reapresentar na cidade Viúva, porém honesta e Luiz Lua Gonzaga. Este último trabalho será encenado no Cais José Estelita, como manifesto de apoio da companhia ao Movimento Ocupe Estelita, que luta pela salvaguarda de um complexo de galpões no centro histórico do Recife a ser derrubado por empreiteiras para a construção de um conjunto de prédio luxuosos. O outro grupo pernambucano a compor a programação é O Poste: Soluções Luminosas, companhia e espaço de encenação, apresenta A receita, que usa da cozinha como metáfora para refletir sobre atitudes e comportamentos humanos.

Naná Sodré no solo da cia. O Poste, do RecifeFernando Azevedo

Naná Sodré no solo da cia. O Poste, do Recife

O Magiluth voltava de viagem a São Paulo, em agosto de 2012, quando decidiu criar o Trema!. O desejo do grupo era de promover uma espécie de rede de compartilhamento de ideias e produções voltada para artistas e grupos nacionais que comungam da ideia de um teatro realizado em equipe, como resultado de um trabalho contínuo de estudo e criação cênica que resulta em uma linguagem própria de cada coletivo. Um teatro feito por várias mãos e que se contrapõe a um estilo de produção moldado pelo mercado.

O Festival de Teatro de Grupo do Recife, então, aconteceu pela primeira vez em outubro de 2012. Embora sem patrocínio ou incentivo público, o Magiluth trouxe à capital pernambucana as apresentações de três bons coletivos brasileiros: O paulista Kunyn, com a peça Dizer e não pedir segredo; e os grupos mineiros Quatroloscinco, com Outro lado, e Teatro Invertido, com Proibido retornar.

O evento, entretanto, só foi possível, segundo os próprios integrantes do Magiluth, por causa da parceria com os grupos convidados. Como todos eles estavam em turnês pelo Brasil financiadas por editais, conseguiram alinhar as agendas e estar no Recife na mesma data.

Em outubro de 2013, o Magiltuh voltou a realizar o Trema!. Na segunda edição do festival, o grupo teve que arcar com as próprias despesas sem incentivo público ou privado, a não ser o apoio de parceiros. O evento não teve projeto aprovado no edital do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) 2012/2013.

Procurada pela produção do evento, a Fundação de Cultura da Cidade do Recife também negou patrocínio ou apoio ao festival, segundo o Magiluth. A saída foram as parcerias com o Sesc Pernambuco e com o Festival de Teatro do Agreste (Feteag), com o qual partilhou espetáculos da programação. O Trema! 2013 trouxe ao Recife as companhias Lume Teatro (SP), Espanca (MG), Hiato (SP), Inominável (RJ) e A Outra (BA). Além disso, pela primeira vez, duas companhias pernambucanas integraram a programação: a Cênica Cia. de Repertório e a Loucos e Oprimidos da Maciel. No ano seguinte, por estar em circulação pelo Brasil, dentro do Palco Giratório, o Magiluth não realizou o festival.

Em 2015, mais uma vez o Trema! Acontece sem patrocínio das esferas públicas. O Governo de Pernambuco não respondeu ao pedido de apoio dos organizadores do evento, enquanto a Prefeitura do Recife negou a solicitação de R$ 35 mil para ajudar na realização do festival. Este último fato gerou uma polêmica na capital pernambucana, uma vez que prefeitura ao mesmo tempo em que não patrocinou o Trema! deu R$ 30 mil para as apresentações de Belle, da Cia. Deborah Colker, na cidade em março.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Commercio, Caderno C, em 7/4/2015.

.:. Mais informações sobre a programação do Festival de Teatro de Grupo – Trema!, aqui.

Anfitrião Magiluth leva ao Estelita peça sobre Gonzagão Renata Pires

Anfitrião Magiluth leva peça de rua ao Estelita

Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e cursa o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvendo uma pesquisa sobre masculinidade no teatro, com foco na obra do Grupo Magiluth. Escreve para a Folha de S. Paulo, UOL Entretenimento e revista Continente. Foi repórter de cultura do Jornal do Commercio, de 2011 a 2016, e titular do blog e da coluna Terceiro Ato. Integrou o núcleo de pesquisa da Ocupação Laura Cardoso (2017), do Itaú Cultural. Coordena a equipe de comunicação da SP Escola de Teatro. E é membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IACT).

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