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Reportagem

Vigor Mortis encena Neil Gaiman

23.6.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Marco Novack

A companhia Vigor Mortis aprofunda sua relação com as histórias em quadrinhos a partir da próxima sexta-feira (26/6) com a estreia de Lobos nas paredes, adaptação para o palco da obra de Neil Gaiman com desenhos de Dave Mckean. A versão cênica do livro (que saiu no Brasil como Os lobos dentro das paredes) marca ainda a primeira atração infantil do grupo de Paulo Biscaia Filho, tendo como protagonista Uyara Torrente, vocalista d’A Banda Mais Bonita da Cidade.

Ele prefere o termo “para todas as idades”, visto que a trama, ainda que curta, é repleta de possíveis interpretações relacionadas à violência, repressão, ditaduras, exílio, enfim, aquilo que o espectador mandar.

“Esse livro me pegou porque o leio para minha filha desde que ela tinha 2 anos”, conta o diretor. “Comprei com super segundas intenções… e no fim ela amou.”

As crianças costumam receber a obra com certo receio – motivo pelo qual a filha de Biscaia costumava pedir que ele “não lesse muito alto”. Afinal, o lobo retratado aqui não é aquele desengonçado de Os três porquinhos que acaba entalado na chaminé. Repleta de mistério, a trama apresenta a menina Lucy, que é a única em sua casa a ouvir barulhos por trás das paredes. E ela tem certeza de que são lobos. Mas, quando confessa à mãe seu achado, esta retruca com a “lógica dos adultos”, nas palavras de Biscaia. “Não são lobos. Porque se os lobos saírem de dentro das paredes, tudo estará acabado. Todos sabem disso.”

Realizando o pior medo da garota, os animais efetivamente invadem a casa, e a família é obrigada a fugir. Mas a própria Lucy propõe um desfecho tranquilo para o caso.

Uma característica que difere um pouco das peças anteriores da Vigor Mortis é uma certa quebra de simetria – além, é claro, da opção por não haver esfaqueamentos, sangue cênico jorrando da jugular

No desafio de transpor a obra visual bidimensional para a encenação com atores, Biscaia decidiu não “recriar” os desenhos no palco. Para ele, a história de Gaiman pedia uma montagem à Luis Buñuel, mestre do expressionismo no cinema, em que o suspense se dá em meio a situações absurdas.

Com um viés absolutamente não realista (mais ainda do que seus trabalhos costumam ser), algumas escolhas da montagem lembram a obra-fonte. Por exemplo, os figurinos, que remetem aos desenhos de Mckean como inspiração.

Uma característica que difere um pouco das peças anteriores da Vigor Mortis é uma certa quebra de simetria – além, é claro, da opção por não haver esfaqueamentos, sangue cênico jorrando da jugular, operações malsucedidas no cérebro e outros horrores frequentes nos trabalhos do grupo. Uma diferença em relação ao livro foi que a cena permitiu expandir a personalidade dos personagens, que ganham histórias próprias. O pai, por exemplo, se torna um intelectual um pouco desconectado da vontade de seus filhos. Os atores, conforme conta Biscaia, entraram no jogo com bastante empenho e vontade de se divertir. Além de Uyara, estão em cena Guenia Lemos (mãe), Luiz Bertazzo (pai), Michelle Rodrigues (lobo), Renato Sbardelotto (lobo) e Lucas Ribas (irmão).

Existe um narrador que é alternado entre os atores, escolha que trouxe dramaticidade, conforme Biscaia. Michelle também interpreta um personagem maluco, a rainha da Melanésia, que surge no meio das falas para dizer coisas sem sentido. Em meio a tudo isso, os músicos Demian Garcia e Denis Nunes tocam ao vivo em cena, com destaque para a Canção para o porquinho.

Visita rápida ao ensaio de Lobos nas Paredes. Música ótima e original de Demian Garcia e Denis Nunes

Posted by Vigor Mortis on Terça, 16 de junho de 2015

 

A obra do britânico Neil Gaiman é alvo de um grande culto por parte de apreciadores das histórias em quadrinhos, especialmente por seu personagem mais conhecido, Sandman.

Gaiman, que hoje vive nos EUA, costuma contar entre suas influências desde a infância as obras de C.S. Lewis, J.R.R. Tolkien e Edgar Allan Poe, entre outros. O amor pelos livros surgiu nos dias enfiado em bibliotecas, quando convencia os pais a deixá-lo fazer isso. A carreira profissional começou como jornalista, sendo que sua estreia literária foi com uma biografia da banda Duran Duran.

Logo Gaiman descobriu sua facilidade em recriar vozes já existentes e criar pastiches, como ele aplica na própria série “Sandman” ao transformar Shakespeare em personagem, por exemplo. “Sandman”, criado em 1988 para o selo Vertigo da DC Comics, foi a primeira graphic novel a receber um prêmio literário, o World Fantasy Award for Best Short Story, em 1991. A colaboração como roteirista ao lado do desenhista Dave Mckean é antiga, sendo que “Os Lobos Dentro das Paredes” foi a primeira investida infantil da dupla.

Sua bibliografia autoral inclui ainda os romances “Neverwhere” (1995), “Stardust” (1999), “American Gods”(2001), entre outros.

Seus fãs são amantes da ficção científica e fantasia em geral, em geral jovens com quem ele mantém relacionamento via redes sociais.

.:. Publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, Caderno G, p. 1, em 22/6/2015.

Serviço:
Onde: Guairinha (Rua XV de Novembro, 971, Centro, Curitiba, tel. 41 3304-7982)
Quando: Dia 26 às 20h; 27, às 16h e 20h; e 28, às 11h e 18h. Até 2/7
Quanto: R$ 24

Ficha técnica:
Texto e direção: Paulo Biscaia Filho, a partir da obra de Neil Gaiman
Com: Uyara Torrente, Guenia Lemos, Luiz Bertazzo, Michelle Rodrigues, Renato Sbardelotto e Lucas Riba

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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