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Artigo

O teatro e o virtual

7.8.2015  |  por Dirce Waltrick do Amarante

Foto de capa: Peter Atikson

O teatro, diferentemente das outras artes que se tornaram midiáticas (filmes não ficam mais restritos ao cinema; museus recebem passeios virtuais; a música há muito se apoia também nas gravações), continua tentando manter sua particularidade que, segundo Bárbara Heliodora, “[…] só existe quando ele é apresentado diante de uma plateia, porque a obra de arte é o que acontece diante do público, graças à interação emocional que existe entre palco e plateia”.

O virtual no teatro ainda parece mal visto, principalmente, quando se fala no papel do ator (que tem que estar presente, ao vivo, diante de seu público). É interessante então pensar no conceito de virtual.

Para o filósofo francês Pierre Lévy, a palavra virtual na filosofia é “aquilo que existe apenas em potência e não em ato”. Desse modo, o virtual encontra-se antes da concretização efetiva ou formal. Lévy toma como exemplo a árvore para explicar o virtual: a árvore, diz Lévy, está virtualmente presente no grão. Portanto, no sentido filosófico, o virtual é obviamente uma dimensão muito importante da realidade.

No uso corrente, contudo, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar a irrealidade – enquanto a “realidade” pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível. A expressão realidade virtual, prossegue Lévy, soa então como um oximoro, pois se acredita que uma coisa ou é real ou é virtual. Em filosofia, o virtual não se opõe ao real. O ator, por exemplo, que manipula um personagem no computador, criando expressões, uma fala, uma postura corporal para esse personagem, esse ator é bastante real, embora fora do palco teatral ou do contato direto com a plateia.

a virtualização do corpo não é uma desencarnação, mas uma reinvenção, uma reencarnação, uma multiplicação

O fato é que, o virtual é toda entidade “desterritorializada”, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela presa a um lugar e a um tempo particular. Portanto, o virtual existe sem estar “presente”.

Lévy lembra que, no mundo virtual, “meu corpo pessoal é a atualização temporária de um enorme hipercorpo híbrido, social e tecnológico. O corpo contemporâneo assemelha-se a uma chama. Frequentemente é minúsculo, isolado, separado, quase imóvel. Mais tarde, corre para fora de si mesmo […], funciona como satélite, lança algum braço virtual bem alto em direção ao céu […]”. E, assim, esse corpo se prende a um corpo público (em outros corpos-chamas).

O corpo contemporâneo, prossegue o filósofo francês, “retorna em seguida, transformado, a uma esfera quase privada, e assim sucessivamente, ora em toda a parte, ora em si, ora misturado”.

O teatro já vem refletindo, embora timidamente, a meu ver, esse corpo contemporâneo para pensar a figura do ator, sempre levando em conta que “a virtualização do corpo não é uma desencarnação, mas uma reinvenção, uma reencarnação, uma multiplicação […]”, como fala Lévy.

Néstor García Canclini, ao falar sobre a escola, adverte que os professores insistem em formar leitores de livros, e, à parte, espectadores de artes visuais, enquanto a indústria está unindo as linguagens e combinando espaços. Talvez seja a hora de repensarmos o teatro, o ator e o palco, levando também em conta outras mídias e outras linguagens do século XXI.

.:. Publicado originalmente no jornal Notícias do Dia, em 15/1/2015.

.:. Leia análise de Valmir Santos sobre o espetáculo Odiseo.com, direção de André Carreira.

Ensaísta, tradutora e professora do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Publicou, entre outros, Cenas do teatro moderno e contemporâneo (Iluminuras), Para ler ‘Finnegans Wake’ de James Joyce (Iluminuras). Colabora em jornais como O Estado de S. Paulo, O Globo e Notícias do Dia.

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