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Reportagem

Celebrando as formas animadas

13.11.2015  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Cristine Rochol

Falar da história da Cia. Gente Falante é também resgatar mais de duas décadas do teatro de formas animadas. Referência no Rio Grande do Sul, a companhia é formada por Paulo Martins Fontes, também fundador, e Eduardo Custódio. O percurso traçado por eles está reunido no livro Cia. Gente Falante – história, processos e perspectivas, que será lançado na sexta-feira (13/11), às 17h, no Café do Sesc Centro, em Porto Alegre.

Sempre estimulado pelo pai, que era publicitário, Fontes cresceu entre recortes e desenhos. Isso foi fundamental para o surgimento da companhia em Salvador, em 1991. O nome do grupo surgiu por conta de um diálogo da plateia: a mãe reclamava que o boneco não parava de falar e ameaçou o filho de não levá-lo novamente ao espetáculo, no que o garoto retrucou: “Mãe, me traz para ver essa gente falante?”

Apesar de a capital baiana ter pouca produção de teatro de formas animadas, Fontes queria viver somente da arte – na época, trabalhava também com publicidade. Foi então, por estímulo de alguns bonequeiros da cidade, que ele visitou o Festival Internacional de Teatro de Bonecos Canela. “O evento era conhecido como a meca dos bonequeiros. A viagem foi fundamental para a decisão de me dedicar somente ao teatro de formas animadas”, comenta Fontes, que fixou residência em Porto Alegre.

Experimentamos a relação da forma animada e do ator em cena, que é algo característico do teatro contemporâneo, de não ter mais a preocupação de ocultar o manipulador

Em 1999, Eduardo Custódio, que já trabalhava como ator e produtor, entrou efetivamente para a companhia. Logo veio a montagem Sob a luz da lua (2000), que marca um novo fôlego para a companhia. Inspirado nas histórias do artista argentino Gabriel Guaira Castilla, o texto fala sobre a noite, a relação com o medo, a moradia de rua e a exposição ao céu.

Mas o espetáculo que projetou a dupla para fora do Rio Grande do Sul foi Circo minimal (2003), vencedor do troféu Tibicuera de Teatro Infantil e do prêmio especial do Açorianos de Teatro. A montagem era um desdobramento das caixinhas-teatro individuais (Teatro Lambe-Lambe), configurada para atender a um público pequeno, com uma estrutura técnica em miniatura, independente e itinerante. Custódio lembra que esta foi a primeira produção deles com financiamento público – no caso, o Fumproarte. “Isso foi fundamental para avançarmos”, recorda.

Cena de criação na fase inicial da companhia em SalvadorArquivo Cia. Gente Falante

Cena de criação da fase inicial da companhia em Salvador

O espetáculo Louça Cinderella (2010), também fez história dentro desses quase 25 anos. Trabalhando a linguagem de teatro de objetos, ele veio em um momento de amadurecimento da companhia, com 7 indicações e 3 prêmios Tibicuera, entre eles, o de melhor ator para Fontes. “Todos os bonequeiros comemoraram. Finalmente um reconhecimento que, para trabalhar com teatro de formas animadas, é mais do que necessário que você tenha uma preparação de ator. Na verdade, é uma situação mais complexa ainda do que você estar na cena com seu próprio corpo construindo a dramaturgia”, lembra Fontes.

Ao longo desses 23 anos, o grupo trabalhou diversas técnicas dentro do teatro de formas animadas, e com diferentes colaboradores. Segundo a dupla, essa diversidade acaba sendo a “cara” da companhia. “Temos uma inquietação de experimentar tudo. Misturamos técnica tradicional com o que está em voga ou que foi esquecido. Também experimentamos muito da relação da forma animada e do ator em cena, que é algo característico do teatro contemporâneo, de não ter mais a preocupação de ocultar o manipulador”, comenta Fontes.

Por conta dessa característica, a companhia acaba circulando por diferentes festivais nacionais e internacionais. “Essa ideia de estarmos efetivamente presentes em cena faz com que a gente transite em espaços que o teatro de formas animadas não tem muita abertura. Atualmente, dizemos que participamos de festivais de forma geral. Estamos sempre nos desafiando”, diz Custódio, reforçando que isso foi algo natural que aconteceu dentro da companhia.

O lançamento do livro faz parte das ações do Projeto de Manutenção de Repertório 23 anos da Cia. Gente Falante – Teatro de Bonecos, contemplado pelo edital de Fomento Cultural da Prefeitura de Porto Alegre no valor de R$ 100 mil. Além do livro, este ano também marca um upgrade na estrutura técnica do grupo, com restauro em seu repertório de espetáculos e performances, workshops abertos à comunidade e uma mostra das suas atrações em vários espaços importantes para a trajetória da Gente Falante.

Na sequência do lançamento também ocorre a abertura de uma exposição fotográfica, no mesmo local, reunindo material captado de apresentações e processos de produção dos bonequeiros por 25 fotógrafos e ilustradores do Brasil e de fora.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 12/11/2015.

Capa do livro da companhia de Porto AlegreReprodução

Capa do livro

Serviço | Lançamento do livro (edição da Cia. Gente Falante) e abertura de exposição
Onde: Sesc Centro (Avenida Alberto Bins, 665, Porto Alegre, tel. 51 3284-2000)
Quando: Sexta-feira, 13/11, às 17h. A exposição pode ser visitada até 12/12
Quanto: grátis

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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