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Artigo

A arte parelha ao ativismo de grupo

30.7.2020  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Divulgação/SescTV

Para usar um termo corrente no meio audiovisual, a série Cena inquieta transmite uma sensação de delay. O efeito acústico atrasado em relação à imagem é lembrado porque o poder transformador da arte que emana de vozes e corpos nos dois primeiros episódios destoa do presente de um país em decomposição. A falta de sincronia não é gerada pelos idealizadores e realizadores dos 26 documentários em exibição no canal SescTV, desde a semana passada, mas pelo fracasso de parte da sociedade civil e dos representantes políticos em colocar de pé um sistema nacional de cultura, em sentido estrito, como previsto na Constituição de 32 anos atrás, ou ao menos não desmanchar o que as gestões de Gilberto Gil estruturaram minimamente no extinto Ministério da Cultura.

A cartografia de grupos e artistas de teatro vocacionados para a pesquisa permanente e dispostos a percorrer eixos do teatro negro, de comunidade e de gênero/transgeneridade foi captada entre julho e dezembro de 2018. Posterior ao assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, em março, e da prisão de Lula, em abril. Para não dizer da cooptação das Jornadas de Junho de 2013 pela extrema-direita, do golpe parlamentar de 2016 que afastou Dilma Rousseff. O trabalho de campo, portanto, aconteceu sob o olho do furacão do atentado ao candidato à Presidência da República, em setembro de 2018, e sua consequente eleição no mês seguinte. Em 1º de janeiro de 2019 entrou em vigor o regime de culto à morte do bolsonarismo. As narrativas e narradores acolhidos na série em análise se contrapõem ao estado de coisas por natureza e diligente celebração à vida. Bom dizer que a pandemia não tem a ver com a agenda de retrocesso em curso que aprofundou a tragédia brasileira. Esta lhe é anterior e foi desgraçadamente somada à Covid-19 que acomete a humanidade.

A arte, na sua perspectiva transformadora, ela já tem uma posição política, uma ação política, uma intervenção política. Essa dimensão precisa ser lida no teatro negro, na literatura negra, fora de clichês. Que muitas vezes são clichês racistas, inclusive. Que definem o que a gente pode dizer, quando a gente pode dizer e da forma que a gente deve dizer. É um acantonamento, um jeito de nos colocar em quadradinhos, em baias, para que a gente haja e produza de uma forma que acaba referendando o que o ‘status quo’ define como lugar para a gente. Eu me insurjo contra isso

Cidinha da Silva, escritora

O episódio de estreia, em 22 de julho, narra as experiências do Grupo Clariô de Teatro, fundado em 2002 na cidade de Taboão da Serra, e da Capulanas Cia. de Arte Negra, atuando desde 2007 no Jardim São João, zona sul de São Paulo. As sedes distam cerca de 30 minutos de carro. Essa unidade territorial corresponde às afinidades de linguagem e de pensamento orientado pelo teatro negro e respectiva militância antirracista.

Já o segundo episódio, a ser exibido na quinta, dia 30, sempre às 23h, abarca as mobilidades estéticas-urbanas sob dois ângulos. O da Zózima Trupe, nascida em 2007 a partir das aulas que os integrantes, em sua maioria moradores na zona leste da capital, frequentavam na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e vislumbraram no ônibus um espaço cênico efetivo, por mais que insólito. E do Coletivo Estopô Balaio, emergido da memória e da realidade das enchentes no Jardim Romano, na direção leste da cidade, em 2011, e logo estendeu suas intervenções artísticas a plataformas de estações e respectivos vagões de trem em circulação na Grande São Paulo.

Essas quatro poéticas evidenciam uma geração de teatro de grupo nascida após o fim da ditadura civil-militar (1964-1986) e capaz de conciliar demandas urgentes, sejam levantes-flutuantes-moventes, com níveis de politização inerentes aos atos e práticas artísticas extraídas do cotidiano. Um teatro do possível concretizado na laje, no quintal, na quebrada, na praça, no asfalto, no campinho, na passarela de pedestres, no transporte público, no terminal de ônibus, no pátio da escola, na ponte de mão dupla… Seus discursos, por outro lado, são elaborados por meio de escritos e publicações próprias ou de interlocutores estudiosos e artistas convidados, transparecidos em falas, oralidades e visões de mundo que, não raro, propõem mais perguntas do que respostas categóricas.

Divulgação/SescTV As artistas do corpo Priscila Obaci e Débora Marçal, cofundadoras da Capulanas Cia. de Arte Negra, no primeiro episódio da série ‘Cena inquieta’

Há nessa juventude uma vinculação inequívoca com o engajamento de grupos formados nos anos 1990, quando a modalidade ganhou sopro vital na produção brasileira e veio num crescendo para além das capitais (mirando-se em faróis abertos, com distintas gradações, por núcleos históricos surgidos entre os anos 1940 e 1970, como o Teatro Experimental do Negro, o Arena, o Opinião, o Oficina, o Teatro de Equipe, o Bigorna, o Teatro Popular do Nordeste, o Imbuaça, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis, o Tapa).

Constam das décadas de 1990 e de 2000 avanços consideráveis (ante o deserto de iniciativas) em termos de políticas culturais públicas conquistadas, em grande parte, por meio das mobilizações de artistas e produtores, muitos deles estudantes ou professores universitários – a expansão do acesso ao ensino superior e a implantação de políticas de cotas raciais a pessoas pretas, pardas e indígenas se fizeram notar. Não por coincidência, três dos quatro coletivos presentes nos dois episódios iniciais de Cena inquieta tiveram projetos contemplados em editais do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, tornado lei em 2002 e que subsidia recursos para a manutenção e pesquisa continuada de até 30 grupos.

Acaso pertencesse à mesma jurisdição, o Clariô não demoraria a atravessar o escrutínio das comissões do Fomento. Mas seus integrantes não cogitaram mudar de CEP na divisa de Taboão da Serra com a zona sul paulistana. Como acontece com outros pares de São Paulo, os laços de territorialidade mostram-se igualmente identitários mesmo quando por criadores e criadoras migrantes nordestinos ou filhos de. Noções de origem e de destino são problematizadas em dramaturgias, encenações e atuações que pedem modos de produzir à altura do que ousam inventar.

Sintomaticamente, a imagem do útero surge grafitada nas paredes externas das sedes de Capulanas e Clariô. O desenho do órgão muscular do aparelho genital feminino estampa a prioridade da questão da mulher negra periférica, simbolizando tanto a resistência como expondo a vulnerabilidade a que é submetida. “A paz é pálida” ou “A paz precisa de sangue”, lemos ao lado do desenho na entrada do espaço em Taboão. Frases do escritor Marcelino Freire, cujos contos inspiraram o espetáculo Hospital da gente (2008). Na Goma, como é chamada a casa do Jardim São João, a silhueta em tons rosa e azul vem acompanhada do seguinte enunciado: “Derrama água de mulher”, extraído de letra e música da atriz “clariana” Naruna Costa (“Derrama água de mulher/ Derrama m’água de mulher”) na peça Sangoma – Saúde às mulheres negras (2013), escrita por Cidinha da Silva e Capulanas, encenada por Kleber Lourenço junto à companhia.

Essa capacidade de síntese nas texturas temporais, espaciais e icônicas a partir dos relatos e das memórias indica como a equipe da série prospectou a fundo a trajetória de cada núcleo. Questões pessoais e coletivas são emendadas a imagens de trabalhos de repertório, espetáculos, performances, intervenções ou musicalidades afins. Roteiro e edição estabelecem porosidades assim como as dramaturgias expandidas características dos processos em pauta. Valoriza-se a proximidade da câmera na disposição das pessoas entrevistas em dupla, parelhas. A contiguidade estimula no telespectador, terceira via, o exercício simultâneo da escuta de uma e da observação de outra, contracenas que mexem com a expectativa de enquadramento.

Divulgação/SescTV Ao fundo, os artistas Anderson Maurício e Tatiane Lustoza, cofundadores da Zózima Trupe que adotou o ônibus como espaço cênico multiplataforma

Um dos traços comuns é a reverência “aos que vieram antes de nós”, como a professora de teatro Lídia Zózima (1957-2016), para quem “a sabedoria mora no vento”, mote estimulante para espiar o dentro e o fora da janela do passageiro embarcado no terminal, em viagem de volta para casa, após o trabalho, afetada por sutilezas outras, como em Cordel do amor sem fim (2007), de Cláudia Barral. O poeta Solano Trindade (1908-1974) e o também poeta e dramaturgo Abdias Nascimento (1914-2011), ideólogo do TEN, são saudados na Capulanas com a mesma intensidade dos cofundadores do Clariô, o ator, diretor e ativista cultural Mario Pazini Junior (1962-2014) e o ator e dramaturgo Wil Damas (1952-2017). Afinal, “Pra curar cicatriz é preciso raiz”, como se ouve em Severina – da morte à vida (2015), transcriação de Damas para o poema épico Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), dirigida por Naruna, cofundadora do Clariô e companheira artística de Martinha Soares, Naloana Lima, Alexandre Souza, Cleydson Catarina , Washington Gabriel, Rager Luan, entre outros nomes.

No Estopô, a ancestralidade deita raízes potiguares em boa parte do grupo, mas o sanfoneiro septuagenário que participa de espetáculos do grupo é de origem mineira, Vital de Carvalho Araújo, filho de Mariana, a cidade da barragem rompida em 2015, que matou 19 pessoas e causou desastre ambiental criminoso pela Samarco, empresa capitaneada pelas maiores mineradoras planetárias, a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton.

Uma vez que a questão da imagem da mulher negra é prevalente na abordagem estética, é necessário entender que o processo de criação “permeia nosso psicológico, permeia nosso emocional, nossa saúde cultural”, segundo afirma a artista do corpo Adriana Paixão, cofundadora da Capulanas Cia. de Arte Negra com Débora Marçal, Flávia Rosa e Priscila Obaci, somando-se nos últimos tempos Carol Rocha Ewaci, Rose Eloy e Kleber Lourenço, entre outras pessoas. Antepor o “sim” ao “não”, esquivar-se de armadilhas assertivas.

Em Negras insurgências: teatros e dramaturgias negras em São Paulo (Ciclo Contínuo, 2018), livro que organizou com Capulanas, o músico, historiador e professor Salloma Salomão Jovino da Silva confirma a amplitude de procedimentos que norteiam essa produção contemporânea. “O que se tem assistido e estimado é uma teatralidade negra múltipla e carregada de conteúdos políticos sobre relações de classe, raça e gênero e ao mesmo tempo atravessadas por valores civilizatórios africanos ressignificados e atualizados, imaginários modernos afrodiaspóricos reconfigurados para textos e corpos. São também micro histórias e ficções fragmentárias e quase sempre incompletas, constructos abstratos inacabados, erguidos para solapar e interditar as narrativas já rotas, mas ainda válidas e saturadas da centralidade, superioridade e unicidade da visão ocidental, cristã, branca, heteronormativa e masculina. São, sobretudo, elaborações diversas em torno da autoconstrução de mulheres negras, o genocídio da juventude negra, as microfissuras do racismo interpessoal e estrutural, os efeitos causados por subjetividades adoecidas pela desigualdade racial e pela misoginia”, delineia, ele estava no elenco de Gota d’água {PRETA} (2019) e acompanha “de dentro como espectador crítico” os trabalhos de grupos como Os Crespos, Coletivo Negro e Clariô.

Cada episódio da série Cena inquieta incorpora percepções de especialistas ou pesquisadores testemunhos dos percursos em foco. Parceira desde o início da caminhada, a prosadora, editora e dramaturga Cidinha da Silva localiza o “lugar geopolítico-afetivo” da Capulanas, o protagonismo das culturas negras e periféricas ante hegemonias. “A arte, na sua perspectiva transformadora, ela já tem uma posição política, uma ação política, uma intervenção política. Essa dimensão precisa ser lida no teatro negro, na literatura negra, fora de clichês. Que muitas vezes são clichês racistas, inclusive. Que definem o que a gente pode dizer, quando a gente pode dizer e da forma que a gente deve dizer. É um acantonamento, um jeito de nos colocar em quadradinhos, em baias, para que a gente haja e produza de uma forma que acaba referendando o que o status quo define como lugar para a gente. Eu me insurjo contra isso”, afirma a escritora. “Como dizia o professor Milton Santos [1926-2001], são as periferias do mundo que vão transformar o mundo, que vão construir um outro futuro, e um futuro que seja melhor para nós, humanos, todos. O futuro é negro e será mais belo quanto mais negro ele conseguir ser.” Entendimento configurado no canto a capela de Rose Eloy, no desfecho profundo.

Divulgação/SescTV A partir da esquerda, Anna Zêpa, Ana Carolina Marinho e Juão Nÿn, do Coletivo Estopô Balaio: arte emergida do trauma das enchentes em seu território na zona leste

A professora Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes da USP, articula sobre como Estopô e Zózima desfazem a lógica de evento, da cultura como mercadoria, possível quando existem políticas públicas para tal. “Esses espetáculos permitem trânsito e fazem com que a gente, nesse trânsito, perceba dinâmicas da cidade não necessariamente visíveis”, diz, destacando que o corpo é eixo fundamental na relação do sujeito com o seu território.

Também professora em disciplinas de teoria e interpretação na Escola de Arte Dramática (EAD-USP), a dramaturga e diretora Silvana Garcia é curadora da série e estudiosa da cena brasileira do teatro de grupo, como atesta na introdução aos ensaios de sua autoria reunidos em Territórios e paisagens: estudos sobre teatro (Giostri, 2017): “A topografia final do livro irá indicar uma clara propensão por determinado terreno da produção, identificado com os processos coletivos de criação e construção da cena, que ganharam novo alento a partir dos aos 1990. O chamado teatro de grupo, ao longo do período que se estende até o presente, foi responsável, a meu ver, por uma parcela considerável do que de mais relevante se produziu no teatro em São Paulo. Sendo eu mesma uma praticante que entrou no teatro pela porta da criação coletiva nos anos 1970, e à parte minha formação acadêmica, fui aparelhada no meu entendimento sobre o teatro estando presente no palco do Tuca e nas plateias do Oficina, do Asdrúbal Trouxe o Trombone, do Teatro Ipanema, do Pod Minoga e de outros grupos importantes”, anota.

A sincronicidade da curadoria com o objeto contemplado em Cena inquieta, como não poderia deixar de ser, condiz com o currículo do diretor Toni Venturi, conhecido pela tônica sociopolítica de seus longas-metragens, como nos documentários O velho – A história de Luiz Carlos Prestes (1997) e Dia de festa (2006), este em dobradinha com Pablo Georgieff, sobre a rotina de quatro mulheres líderes do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), sobretudo nas ocupações em São Paulo. Venturi é fundador da produtora Olhar Imaginário nessa parceria com o SescTV.

Já que citamos delay, convém acentuar simetrias. As enchentes que estão na gênese do Estopô Balaio no Jardim Romano, conforme o impactante documentário homônimo de Cristiano Burlan, de 2016, corresponde ao fenômeno do volume de águas que também acomete o entorno do Espaço Clariô nas chuvas de verões – ou de outras estações. Ambas as ocorrências instauram um sentido de urgência de resolução diante de problemas que transbordam o contexto de espaços culturais localizados em bairros centrais.

Água, lama e poeira são os elementos aos quais a atuante e produtora alagoana Keli Andrade recorre para ilustrar sua condição de moradora do Jardim Romano, vítima das enchentes que marcaram a vida do bairro entre 2009 e 2010, o que depois ela sublimou no trabalho artístico junto ao Coletivo Estopô Balaio. “A gente se perguntou o que a arte pode operar em situações de trauma social”, diz o ator e diretor João Junior. Ele afirma não estar preocupado em definir o que é ou não teatro. Prefere pensar acerca da “expansão de consciência” ao imbricar arte e vida. Segundo ele, a periferia, cujo imaginário pode remeter ao par de tênis enganchado na fiação entre postes, equivale ao “inconsciente da cidade”, o desconhecido que levanta suspeição estereotipada e disseminada por segmentos da mídia. Por isso o transbordamento geográfico, como no projeto Nos Trilhos Abertos de um Leste Migrante (2017), desdobrado em três cartas-histórias encenadas (ou endereçadas) a partir de um edifício da SP Escola de Teatro, no Brás, ou a bordo de duas viagens nos trens da CPTM em que ações eram combinadas a falas em áudio e partiam do bairro central para as estações de Guaianases e de Rio Grande da Serra, respectivamente. Também participam do documentário Ana Carolina Marinho, Anna Zêpa e Juão Nÿn.

Divulgação/SescTV Rogério Tarifa, diretor de ‘Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos’, com o grupo Teatro do Osso, entre a curadora Silvana Garcia e o diretor da série Toni Venturi

Para o ator e diretor Anderson Maurício, da Zózima, trata-se de “vencer a cidade” e de “vencer a si”, a ponto de superar preconceitos no próprio meio artístico ao eleger seu dispositivo de largada. “É uma outra possibilidade de olhar para o ônibus, de olhar para acidade e de olhar para a nossa vida. A nossa vida não é a mesma coisa, não pode ser a mesma coisa, não precisa ser a mesma coisa; pode ser outra, como um ônibus como espaço de teatro”, explica. A trupe deseja ser movida “por um teatro do encontro sem fronteiras”, vide a ocupação, meses a fio, do Terminal Parque Dom Pedro II, na região central, com espetáculo em ônibus estacionado ou partindo dali para outras bordas. “O ônibus vira uma casa, a nossa sala de estar”, completa a atriz Maria. Daí a interlocução com outras dramaturgias, como a do poeta Rudinei Borges, da peça Dentro é lugar longe (2013), e diferentes instâncias, como o Núcleo de Estudos em História Oral da Universidade de São Paulo. Maurício reveza relatos da com Cleide Amorim, Junior Docini, Maria Alencar, Priscila Reis, Tatiana Nunes Muniz e Tatiane Lustoza.

Integrante do grupo de Taboão desde a primeira hora, há 18 anos, o ator Alexandre Souza comenta sobre como esmerilhou os ofícios de cenografia e desenho de luz com misto autodidata e de estudo técnico aferrado, o que lhe deu cancha para experimentar soluções decorrentes do contexto de precariedade ou de material reciclado com a qual precisa se haver e alcançar resultados surpreendentes. “A dimensão política na arte tem que ser lida fora dos clichês”, afirma. “No teatro periférico não dá para você ser só ator, se fosse [assim] não teria descoberto a cenografia e a iluminação”, completa Souza. Não fosse o ímpeto inventivo de criadores como ele, crianças que jamais pisaram o edifício teatral, com arquiteturas muitas vezes ostensivamente aburguesada, jamais travariam contato com as artes da cena não fossem terreiros despidos de barreiras de classe.

No cenário de quebras de direitos sociais, culturais e ambientais, Cena inquieta reveste-se de prova da resiliência dos trabalhadores da arte já habituados a enfrentar diversidades de toda ordem na constituição de seus fazeres e saberes. A contar dos primeiros episódios, o arco de 48 núcleos artísticos e dez espetáculos independentes oriundos de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo vai irradiar formas, forças e ideias jamais imaginadas tão prementes nos dias de hoje. Esse retrato tão perto e tão distante (pois “nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas”, No meio do caminho de Drummond) é desde já uma fonte complementar para prover esperanças como aquelas já historicamente assinaladas em realizações como a série Teatro e circunstância, que legou 55 episódios, entre a década passada e a atual, sob direção de Amilcar M. Claro e roteiro de Sebastião Milaré (1945-2014), veiculada no próprio SescTV, e os três volumes de Cartografia do teatro de grupo do Nordeste (Clowns de Shakespeare, 2012), organizado pelo diretor, dramaturgo e pesquisador Fernando Yamamoto com dezenas de colaboradores.

.:. O jornalista foi entrevistado para um dos episódios da série.

Serviço:

Para sintonizar o SescTV, assista online em sesctv.org.br ou consulte sua operadora

Próximos documentários de 55 minutos cada um:

Dia 30/7, quinta, 23h

Zózima Trupe e Coletivo Estopô Balaio

Convidada: Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira

Reexibição:

Dia 1º/8, sábado, 2h

Dia 2/8, domingo, à zero hora

Dia 3/8, segunda, 2h

Dia 4/8, terça, 23h

Dia 6/8, quinta, 23h

Cia. Os Satyros e espetáculo O meu lado homem, um cabaré d‘escárnio, de Luis Mármora

Convidado: Juan Peralta

Dia 13/8, quinta, 23h

Cia. do Tijolo, Teatro do Osso e espetáculo Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos, de Rogério Tarifa

Convidado: Adriano Diogo

Dia 20/8, quinta, 23h

SEGUNDA PRETA de BH: artistas Danielle Anatólio, Michelle Sá, Adyr Assumpção e Preto Amparo

Convidado: Marcos Antônio Alexandre

Dia 27/8, quinta, 23h

Teatro Kunyn e Rainha Kong (Campinas)

Convidado: Kil Abreu

Equipe de criação:

Cena inquieta

Direção geral: Toni Venturi

Curadoria: Silvana Garcia

Pesquisa: Val Gomes

Roteiro: Marcos Ferraz, Belise Mofeoli e Marcus Aurelius Pimenta

Produção executiva: Tiago Berti

Direção Nordeste: Mauro D’Addio

Direção de Produção: Camila Abade

Som direto: Isa Torres

Fotografia: Otavio Pupo

Montagem: Cecilia Engels, Daniela Gonçalves e Elen Marques

Produtora: Olhar Imaginário

Artistas e criações abarcados nos 26 episódios: Grupo Clariô de Teatro (SP) e Capulanas Cia. de Arte Negra (SP); Teatro Kunyn (SP) e Rainha Kong (SP); Os Satyros (SP) e espetáculo O meu lado homem, um cabaré d‘escárnio; Cia. do Tijolo (SP), Teatro do Osso (SP) e espetáculo Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos; Cia. Os Crespos (SP) e Coletivo Negro (SP); Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (SP) e espetáculo Eu organizo o movimento; espetáculo O evangelho segundo Jesus, rainha do céu e Cia. Pessoal do Faroeste (SP); Companhia do Miolo (SP) e Cia. Paulicéia de Teatro (SP); Companhia de Teatro Heliópolis (SP) e Núcleo Teatral Filhas da Dita (SP); Coletivo Estopô Balaio (SP) e Zózima Trupe (SP); AntiKatártiKa Teatral (SP), espetáculo Luis Antonio-Gabriela e Velha Companhia (SP); Tablado de Arruar (SP) e Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes (SP); Cia. Les Commediens Tropicales (SP) e OPOVOEMPÉ (SP); Grupo Redimunho de Investigação Teatral (SP) e Núcleo Macabéa (SP); Bando de Teatro Olodum (BA) e N.A.T.A. (BA); Teatro da Queda (BA), Território Sirius Teatro (BA) e espetáculo Diário Rosa; Grupo Totem (PE) e Grupo Magiluth (PE); Coletivo Angu de Teatro (PE) e Teatro de Fronteira (PE); Cia. Marginal (RJ) e Coletivo Bonobando (RJ); Cia. Emú de Teatro Negro (RJ) e Coletivo Preto (RJ); As Bacurinhas (MG), Coletiva As Minas (MG) e Mulheres de Buço (MG); Danielle Anatólio, Michelle Sá, Adyr Assumpção e Preto Amparo (MG); Cia. dos Comuns (RJ) e Companhia Negra de Teatro (RJ); O Poste Soluções Luminosas (PE) e Teatro Negro e Atitude (MG); Grupo dos Dez (MG) e Teatro de Extremos (RJ); e Cia. Estável de Teatro (SP) e Trupe Olho da Rua (SP).

Artistas, pesquisadores, críticos, produtores ou personalidades convidados em diferentes episódios: José Fernando Peixoto de Azevedo, Georgette Fadel, Amara Moira, Solange Dias, Gil Marçal, Sergio Zlotnic, Artur Sartori Kon, Welington Andrade, Marcela Boni Evangelista, Hebe Alves, Antônia Pereira, Luis Reis, Kleber Lourenço, Rosyane Trotta, Paulo Mattos, Luciana Romagnolli, Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, Cidinha da Silva, Kil Abreu, Clóvis Domingos, Salloma Salomão, Allan da Rosa, Valmir Santos, Marcos Antônio Alexandre, Adriano Digo, Juan Peralta, etc.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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