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Reportagem

A experiência do Teatro Para Alguém

1.7.2020  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Nelson Kao

Há 12 anos o grupo e ao mesmo tempo site Teatro Para Alguém desbravou terreno em torno da pesquisa, fusão e concreção da mídia digital em interface com as fontes tradicionais do teatro. À mediação oceânica com a qual o planeta das artes cênicas teve de se haver nas telas e transmissões via internet, no enfrentamento da pandemia do vírus SARS-CoV-2, o TPA desfruta de memória respeitável carregada pela experiência dos seus idealizadores, a diretora e atriz Renata Jesion e o diretor de fotografia Nelson Kao.

Determinados a transcender os paradigmas históricos dos teleteatros da TV Tupi, na década de 1950, ou da TV Cultura, nos anos 1970, tampouco lhes interessava a influência dos videoclipes ultraeditados e de fixação pós-moderna. Ousaram propor uma plataforma aberta a artistas de múltiplas linguagens e gerações dispostos a experimentar, ponto. E geraram cerca de 80 obras.

Como cambiar modos de produzir, criar, difundir e recepcionar teatro nos códigos da rede mundial de computadores, das redes sociais, dos canais como YouTube, Vimeo e Zoom, sem perder de vista essências motoras das artes do corpo, a dança, o circo, a performance, o teatro?

O Teatrojornal encontrou Renata e Kao em um vilarejo na Serra da Mantiqueira chamado Serra Verde, no sul de Minas Gerais. Eles passaram ali quase toda a quarentena, ao lado da filha Luba, de 10 anos.

Renata, de 52 anos, começou a carreira estudando e atuando junto ao Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, entre 1992 e 1997, espaço mantido pelo Sesc São Paulo e coordenado por Antunes Filho (1929-2019). Lá, foi assistente de direção, deu aula de corpo e voz e atuou em espetáculos como Macbeth – Trono de sangue, Nova velha estória e Vereda da salvação.

Kao, de 47 anos, iniciou nas artes cênicas em 2001, no curso do Espaço Cenográfico mantido pelo também arquiteto J.C. Serroni. De 2001 a 2008 trabalhou em diversas equipes de teatro desenvolvendo desenho de luz, cenografia e fotografia de palco, como Teatro da Vertigem e Companhia Livre.

O viés virtual do Teatro Para Alguém nunca significou uma contraposição ao teatro tradicional e, sim, uma expansão de seus limites, físicos, formais e organizacionais. Todo o trabalho do grupo parte de uma encenação real e tradicional, com público e em determinado espaço. Porém, a concepção da encenação já contempla a presença de uma câmera, que se incorpora organicamente à montagem. Esta é sempre complementada à transmissão ao vivo na internet e à publicação posterior da peça, na íntegra, no site do TPA e nos seus canais no YouTube ou Vimeo. O objetivo, insistimos, é a democratização cultural na busca pela multiplicação do conhecimento e da difusão do fazer teatral, que agora tem na Internet uma valiosa ferramenta de criação, de divulgação e renovação radical dos modelos de encenação que precisa ser fomentada. Todos os trabalhos virtuais são livres e gratuitos

Nelson Kao, diretor de arte e de fotografia

Nos últimos anos, suas trajetórias inclinaram mais ao meio audiovisual. A Covid-19 interrompeu o processo de criação da série documental em que trabalhavam em torno da vida e da obra de Antunes Filho, de título provisório Desequilíbrio, em referência a um dos exercícios sistematizados pelo encenador. Ambos dirigem e produzem.

Ou seja, o teatro segue calando fundo a eles. Mantêm no ar o acervo do Teatro Para Alguém, empenham-se, em paralelo, para criar mais duas peças no contexto atual e ambicionam recuperar os níveis de energia que empreenderam nos primeiros cinco anos do grupo e do site. Agora à luz da capilaridade que a cultura digital adquiriu e parece cada vez mais incontornável aos fazedores do teatro e demais artes vivas.

Na entrevista a seguir, por e-mail, parte dela quando ainda estavam recolhidos à natureza mineira, parte dela quando retornados à selva de pedra da capital paulista, relatam como a investigação a propósito do então território novo os moveram na resistência aos “nãos” e à desconfiança intermitente a respeito do que faziam, se era teatro ou não, ainda que arregimentassem trabalhadores da cultura devotados ao teatro, ao cinema, às artes plásticas…

Tudo indica que há mais tolerância à hibridação em todos os planos do processo criativo e de sua consequente fruição pelo público.

*

Tem acompanhado transmissões online nesse período de quarentena? O que vê de relevante em termos de resultado artístico em formato audiovisual para a linguagem da internet?

Nelson Kao – Sim! Gostamos de tecnologia, mas também gostamos de contato pessoal e natureza. Somos do teatro e somos do audiovisual. Nesse momento estamos em isolamento social aqui numa casinha rústica no sul de Minas Gerais no meio da natureza, com energia elétrica e internet muito limitadas. Mas sempre que podemos temos acompanhado as transmissões online que conseguimos em nossa estruturinha.

Eu vejo muito avanço, mas ao mesmo tempo muitos problemas na onda atual de teatro pela internet. Avanço porque as pessoas finalmente viram na internet o potencial que ela nos possibilita: o da conexão instantânea com todo o mundo. É a saída necessária neste momento de isolamento e resistência. Nesse sentido os artistas estão tentando muitos formatos, e isso gera uma experimentação incrível na linguagem teatral diante do uso inevitável de telas, que as novas gerações já não veem mais com preconceito.

Essa modernização está apenas engatinhando, pois temos múltiplas plataformas de streaming completamente diferentes. Temos o YouTube, o Facebook, o Instagram, o Zoom… Cada plataforma tem sua vantagem, mas também requer uma linguagem própria para aproveitar suas potencialidades ao máximo.

No YouTube vejo uma forma de integrar melhor com o acervo de peças online de um grupo… No Facebook, acho que temos um público mais amplo… No Instagram vejo uma coisa mais leve, descomprometido, mas que requer uma produção no formato de janela vertical ou dividido em dois. No Zoom vejo uma ferramenta poderosa, que permite tanto uma visão editada como uma visão matricial do espetáculo, mas complexa e que precisamos dominar ainda.

Alessandra Fratus Primeiras filmagens de ‘Corpo Estranho 2’ (2009), escrita por Lourenço Mutarelli, autor de histórias em quadrinhos que colaborou especialmente para o Teatro Para Alguém

Contudo, me incomoda muito que em quase todas as peças que vimos aparecem o respectivo grupo se lamentando por ter de fazer a peça pela internet. Me surpreende que 12 anos após o surgimento do Teatro Para Alguém, a classe teatral ainda continue se lamentando e tenha preconceito contra o uso das telas no teatro. E esse preconceito é o que limita a criação, pois os artistas se recusam a abraçar e ir a fundo em todas as possibilidades.

Por que os atores não estudam decupagem? Os tipos de enquadramento? Por que eles não aproveitam e criam uma dramaturgia interativa com o público? Por que as criações não são matriciais como no teatro, em que o público pode decidir para onde quer olhar e não ficar fixo numa só tela de quem está falando? Vejo também muitos solos, quando a internet une pessoas. Sei que é difícil contracenar à distância, mas creio que todos devem tentar.

Por fim, os artistas precisam entender que estamos namorando o audiovisual, então precisamos aprender com o padrão-ouro do mesmo, que é o cinema. As peças de internet precisam tentar aprender a linguagem do cinema. A função do plano geral. Plano e contraplano. Close-up. Cortes. Uso de cenas pré-gravadas. Múltiplas câmeras. Plongée [a palavra mergulho em francês designa o recurso da câmera olhar para o objeto de um ângulo alto e “engolir” seu ponto de foco] e contra-plongée. Escolhas narrativas de lentes e profundidades de campo… E não somente olhar para a frente, diretamente para o espectador como se este fosse o outro personagem.

Por outro lado, vejo muita coisa relevante acontecendo. Primeiramente, é linda a resiliência e a criatividade do artista brasileiro que em pouco tempo está tentando, ousando e se adaptando ao novo formato. Segundo, acho incrível o público que está presente. Finalmente estamos conseguindo aquilo que sonhávamos com o Teatro Para Alguém: a multiplicidade de peças gratuitas e abertas para todos via internet. São tantas as cidades que não sabem o que é teatro de qualidade e de repente todo o Brasil pode ter acesso a peças de qualidade! E o público já não acha estranho ver a peça pela internet. Mesmo as aulas via internet deixaram de ser bichos de sete cabeças. Sim, o novo normal é múltiplo, caótico, democrático, como em todo o mundo digital. E estamos aprendendo todos, juntos.

Renata Jesion – Sim, tenho acompanhado. Até agora vi pelo menos cinco peças de cinco companhias. Vi também aproximadamente 10 monólogos de artistas que estão encenando peças já apresentadas em teatro convencional, só que agora por meio de lives.

Vale a pena lembrar que para o Teatro Para Alguém poder nascer foi necessário o tempo de uma gestação, ou seja, nove meses mergulhada e debruçada no mundo da internet, no formato do site, na pesquisa e nessas indagações e situações que me causaram verdadeiras insônias sobre um tema nada ou pouco explorado na ocasião:

– Como transmitir teatro online?

– Quantas pessoas eram capazes de ver ao mesmo tempo o nosso teatro,

sem cair o sinal da internet?

– Será que deveríamos ter um servidor próprio, caseiro, ou deveríamos procurar uma empresa apoiadora para fazer essa mágica acontecer? Quem sabe ao menos nos primeiros meses de Teatro Para Alguém…

– Quanto tempo os internautas eram capazes de ficar na frente de suas telas sem perder o interesse por aquela peça, por melhor que fosse a qualidade e conteúdo? Seria preciso estudar o tempo ideal para cada projeto, para cada uma das nossas produções, para as produções de fora, de companhias convidadas ou interessadas em desbravar conosco…

– Será que bastava ter um site democrático e gratuito para se chegar aos lugares mais carentes e remotos do nosso país e no mundo? A publicação e legendagem dos espetáculos eram suficientes para o mundo ver uma peça de um autor, diretor e atores brasileiros?

– Seria preciso pensar em autores no mínimo ótimos inicialmente, para sermos lembrados no exterior, além da dramaturgia de Plínio Marcos, Nelson Rodrigues, Caio Fernando Abreu…

Depois de 80 produções realizadas na casa do Teatro Para Alguém, veio o incômodo: “Estamos nos repetindo!. Agora devemos explorar o teatro online fora da caixa preta. Claro! Tendo as escolhas das locações como a própria arte da peça”.

E contar três histórias ao mesmo tempo ainda de forma linear?! Não, entrelaçadas, quem sabe, de forma não linear, assim podemos optar pelo corte ao vivo, através de uma mesa de switcher [mesa de corte de imagens, mixagens sonoras e efeitos especiais], e para plateias presencial e online ao mesmo tempo…

Enfim, foi por aí.

Nelson Kao A atriz e diretora Renata Jesion, grávida de Luba em 2009, ao lado do apresentador Cunha Jr., do programa ‘Metrópolis’, com Zé do Caixão e Mutarelli na tela em um dos episódios

Hoje me pergunto: três meses são suficientes para as companhias e artistas se apropriarem com sapiência das novíssimas ferramentas que surgiram na urgência de encenar para um mundo em isolamento?

Difícil ser genial, ou somente mesmo acertar, numa plataforma como o Zoom. Quebrei a cabeça tantos anos fazendo essa lição literalmente de casa. Vejo hoje as companhias fazendo tentativas animadoras. Finalmente se abrindo para novos desafios, para um formato que para nós já deveria ter sido explorado há tempos pelas artes cênicas. Quem sabe agora as companhias mudarão efetivamente seus discursos despropositais diante do mundo digital a seus pés.

Na ocasião da chegada do Teatro Para Alguém, muitos grupos e artistas queriam explorar junto conosco o teatro online. Mas muitos também, incluindo as mídias e patrocinadores, questionavam ou contra-argumentavam desconfiadamente a que viemos: “Teatro virtual é teatro?”; “Definitivamente não! Não é teatro!”; “O teatro digital quer ocupar o lugar do teatro convencional”; “Quem vai querer ir ao teatro e pagar ingresso para ver uma peça que pode assistir no conforto de sua casa e gratuitamente pela internet?”.

Muitas vezes me via respondendo o obvio. Mas, mesmo assim, parecia não ser entendida: “…Ora, você não assiste pela TV à final do jogo do Palmeiras x Corinthians? Mas se quiser assistir da arquibancada do Estádio do Morumbi também pode! Faça sua escolha, pois são experiências completamente diferentes”.

Hoje, diante desse bombardeio de questões que tem surgido, continuo me perguntando: “Jura que o ator precisa ter sua plateia respirando e pulsante junto a ele para se sentir realmente fazendo “teatro”? Só assim o ator se sente em seu ofício, potente em seu maior momento e acolhido por sua plateia, jura? Que ego frágil e bobo fora do tempo. Vivemos na era digital! Não compare as experiências, pois estamos diante de uma outra e nova experiência. Somente se aproprie, viva, atue e goze que daqui para frente essa será uma ótima opção pós-pandemia. Tudo mudou meu caro!”.

Foram mais de 180 entrevistas nos primeiros dois anos, em busca de apoios, parcerias. Chegamos a articular ao menos cinco fortes patrocinadores e duas grandes instituições que na hora H, no ápice de fazermos o jogo virar, ou melhor, o jogo começar, tomávamos um “Não” como resposta por quem continua até agora avaliando e precificando a arte sem riscos .

Estar na Serra Verde com um fio de sinal da internet em plena pandemia e com todos os artistas experimentando e apostando suas fichas em novos formatos pode parecer uma piada de mau gosto. Mas, sinceramente, estamos tranquilos. Nossas inquietações novamente já não nos deixam ter noites de sonos tranquilas. O norte agora é desbravar a fusão das cênicas com o audiovisual, com internet e junto a isso tudo, as artes plásticas.

Quais eram as premissas do Teatro Para Alguém? Que resistências enfrentaram e conquistas obtiveram naquele período, seja em termos de linguagem, seja de recursos para materializar suas ideias? Lembro-me de conquistarem editais e apoios institucionais, bem como a adesão de diferentes gerações de atores e dramaturgos…

Kao – As premissas do Teatro Para Alguém seguem diversas, porém consideradas muito simples nesse ambiente:

1) O mais importante é contar uma boa história de forma mais livre possível via internet e sem cobrar por isso;

2) Ter a máxima liberdade criativa possível graças ao novo formato (livre de contratos, aluguéis de teatros e veículos de comunicação para difundir);

3) Usar as ferramentas digitais para unir artisticamente e trocar colaborativamente com o máximo possível de artistas, aprendendo com os conceitos da cultura digital [conjunto de práticas, costumes e formas de interação social realizados a partir dos recursos dessa tecnologia];

4) Obter uma nova forma de monetização que não seja o tradicional e antiquado ingresso (bilheteria);

5) Já que as encenações passavam por uma câmera, que a peça fosse filmada e publicada após a apresentação de maneira que o maior número de pessoas tivesse acesso à mesma. Mas passar por uma câmera não significa teatro filmado. Recusamos veementemente a câmera estática e passiva. A câmera é um ator invisível que precisa ensaiar tanto quanto o ator;

6) No início, todas as produções foram realizadas em plano-sequência, por uma questão financeira e para esgotarmos ao máximo essa linguagem. Depois, passamos a incluir cortes, duas câmeras e, por fim, o remix [remixagem de imagens] ao vivo por um VJ;

7) Estudávamos o tempo ideal para não perder o internauta até o fim da peça. Fizemos inúmeros formatos diferentes. Encenamos peças com 1 minuto e 30 segundos de duração. Também peças de 10 minutos, o teto permitido pelo YouTube à época. E tentamos até o máximo de 50 minutos. Acreditávamos que os pequenos formatos poderiam contribuir e serem mais vistos em massa; por exemplo, pela pessoa em um ponto de ônibus à espera do transporte público. 

Nelson Kao José Cetra e Marcos Gomes em ‘Minhas roupas’ (2009), de Nadya Millano, uma das peças da série Os 12 Dramaturgos, com integrantes do Núcleo de Dramaturgia do SESI – British Council

Essas premissas simples faziam com que as pessoas não entendessem a radicalidade da coisa. Para nós não importava mostrar que três pessoas simultâneas estivessem contracenando de lugares diferentes se isso não contava bem a estória. Era melhor todos estarem juntos presencialmente e a técnica não ficar mais evidente que a narrativa.

A colaboratividade nunca foi abraçada completamente como queríamos. A maioria dos artistas era a gente que procurava. Enfim, encontramos muita resistência, pois ninguém queria ver os benefícios e explorá-los conosco; ficava somente na mesmice do “é teatro ou não?”. Dessa forma não conseguimos os apoios necessários, nem institucionais e tampouco financeiros. Ganhamos um único edital [Programa Petrobrás Cultural , 2010] em cinco anos de trabalho continuado, apenas para reformular o site e traduzir as peças para o inglês.

E tivemos uma parceria informal com o Núcleo de Dramaturgia do SESI-British Council. Todo ano convidávamos os seus formandos a escreverem e encenarem no Teatro Para Alguém dentro do projeto Os 12 Dramaturgos, referência às 12 pessoas que participavam anualmente daquele núcleo. Essa parceria funcionou por três anos seguidos.

Excetuando isso, todo nosso trabalho foi feito sem nenhum apoio ao longo de cinco anos, por isso demos um tempo. Dessa forma muito de nossa pesquisa teve que ser abandonada. Ficou mais fácil pesquisar a mistura com o audiovisual fora do teatro, ou seja, no cinema. Foi assim que migramos e hoje trabalhamos mais no cinema que no teatro. Nosso trabalho tem reconhecimento no cinema, ao invés do teatro. Ano passado a Renata ganhou prêmio de melhor direção no 2º Festival de Cinema de Muriaé com o curta A caixa, e eu de melhor direção de fotografia no Festival de Bento Gonçalves com o curta Ana, entre outras criações nesse campo.

É possível intuir perspectivas para a relação teatro, internet e presença/convívio após o impacto das crises humanitária e sanitária do novo coronavírus?

Kao – Sim! Tenho uma visão otimista de tudo. Acho que o normal já mudou. O “novo normal” não existe. Está sempre em mudança. Até o ano passado fazíamos o máximo para nossa filha não usar o celular, pois pensávamos que ela teria a vida toda para conviver com as telas. Mas este ano estamos aliviados de que ela está tendo aulas por meio do celular aqui em Minas. O mundo digital veio como uma realidade intrínseca ao mundo. Hoje em dia, quando vou ao teatro, por mais simples que seja a encenação, sempre tem um projetor (uma tela! tão demonizada!) exibindo imagens complementando a encenação no palco. Isso é muito pouco! Então, abracemos como uma possibilidade a mais, que não substitui o presencial, mas, sim, pode somar ou mesmo hibridizar.

Por que não uma peça em que o celular é permitido como forma de interação do público com os atores? Para que proibir a liberdade do público de usar o celular em uma peça, se isso já se tornou uma necessidade coletiva? (Quem nunca usou o celular durante a sessão de um filme ou peça que levante a mão).

Por que não convidar o público a participar da peça projetando seu ponto de vista sobre a mesma em telões durante uma apresentação? É melhor ter uma peça com Anthony Hopkins contracenando remotamente com um ator presencial ou você prefere não ter o Anthony Hopkins?

Em São Paulo, às vezes passo mais de um ano sem ver um amigo por causa do trânsito e da “correria”. Então vamos ficar sem nos ver? Não se encontrar é melhor do que encontrar-se virtualmente? Pois senão não é considerado um encontro?

Nelson Kao Mauro Schames e Zémaneul Piñero em ‘Deve ser do caralho o carnaval em Bonifácio’ (2008), de peça Mário Bortolotto, encenada online com direção coletiva do TPA

O que tem feito em termos de criação no contexto da pandemia? O que fazia antes e o que ambiciona fazer quando a transmissão do vírus cair?

Kao – Estamos filmando uma série documental sobre a vida e a obra de Antunes Filho, mas paramos por ora, com a pandemia. Aproveitamos o tempo para trabalhar a pré-produção neste momento. Temos ainda quatro curtas-metragens em finalização. Dois dirigidos pela Renata: Namidah, fotografado por Lúcio Kodato, ABC, o mesmo do documentário Xingu/Terra (1981), de Maureen Bisilliat, e A conta-gotas, fotografia minha. Assino a fotografia de Perfecta pulchritudo, direção de Pedro Raposo, e Jadzia, de Acácia Araújo e Ariane Porto. No ano passado foi selecionado e exibido na Mostra Internacional de São Paulo o documentário Encarceirados, de Fernando Grostein de Andrade, Pedro Bial, Claudia Calabi e Guel Arraes, do qual fui um dos diretores de fotografia e cujas cenas foram utilizadas na série Carcereiros, da TV Globo.

E estamos ainda abertos a projetos relacionados ao Teatro Para Alguém. Nesse sentido, a Renata está dirigindo e atuando em um texto para encenação online chamado Complexo de Oleanna [de Rafael Vogt Maia Rosa], que também será um híbrido de linguagens, só que dessa vez com a soma das artes plásticas. E, por fim, estamos tentando viabilizar online outras duas peças no formato do Teatro Para Alguém.

Renata – Estou dirigindo artistas plásticos para uma peça do crítico de arte, pesquisador e dramaturgo Rafael Vogt Maia Rosa [Complexo de Oleanna], cujo tema central é a teatralização no universo das artes plásticas. Futuramente será encenada em museus, galerias e feiras de artes. De que forma? O mergulho ainda está no raso, mas já sinto a cabeça submersa na fusão das quatro linguagens: cênicas + audiovisual + artes plásticas + internet.

Já meu trabalho como atriz não sei se se dará mais no palco. Ando tateando o universo performático, constituído do hibridismo de linguagens. Sempre com o consentimento do deus da internet ao nosso lado.

Ainda a respeito de Serra Verde, o vilarejo fica a 1.700 metros de altitude na Serra da Mantiqueira. Agricultores familiares daquele povoado tiram mel e não têm para quem vender. A gente compra e revende em São Paulo para quem é apaixonado por mel. Assim, ajudamos as pessoas e, quem compra, ajuda a gente a pagar a gasolina nas longas viagens até o sul de Minas. A gente acredita que o mel faz bem a todos! Por ora essa é a nossa contribuição enquanto não se termina um filme ou não se está no olho do furacão, na prática do que mais sabemos fazer: arte.

Kao – Chama-se Serra Verde mas é uma pequena vila entre as cidades de Bocaina de Minas e Aiuruoca. Fica entre o Parque Nacional de Itatiaia e o Parque Estadual da Serra do Papagaio, próximo do Vale do Matutu, onde existem inspiradoras comunidades alternativas que buscam vidas mais autossuficientes e fora do capitalismo selvagem.

Como delinear as diferentes fases do Teatro Para Alguém?

Kao – A primeira fase foi muito intensa. Em novembro de 2008, após mais de um ano pesquisando as possibilidades da Internet, o grupo finalmente publica o seu site. Criamos o espaço virtual com o formato de uma casinha, desenhado pela artista Andrea Bandoni, porque as apresentações aconteciam na própria sala de nossa casa. Os espetáculos eram divididos pelos cômodos. A grande sala tinha a “miniemsérie”, formato híbrido de série com teatro. Na sala de “e-Star” eram encenadas as peças ao vivo, sempre inéditas e escritas por convidados. No sótão ficavam as grandes peças teatrais. Podia ser algo que já esteve em um teatro convencional, mas que convidávamos para adaptá-la ao nosso formato.

Note que naquela época o YouTube só permitia subir filmes de até dez minutos, como falamos há pouco. Por isso, uma peça de 50 minutos tinha de ser dividida em cinco atos de 10 minutos. A divisão era feita na própria encenação ao vivo. No porão ficavam arquivadas todas as apresentações realizadas para serem assistidas a qualquer momento. O hall da casa ficou para os contatos e informações sobre o Teatro Para Alguém. Já o quarto trazia memórias e lembranças (artísticas e emocionais) da casa, com fotos das encenações, enquanto o banheiro servia para que o público se expressasse dando sugestões, elogiando ou fazendo a sua crítica. Cada cômodo ou lugar tinha a sua estética e periodicidade próprias.

Exemplo de diálogo intergeracional: Antônio Petrin e Miriam Mehler contracenam em ‘Anúncio’ (2009), texto de Richard Haber e direção de Danilo Marques
Cacá Bernardes

Nos primeiros dias de publicação, mais de 3.000 visitantes diários acessaram o site, comprovando o que antes era apenas intuição: existe um público carente de peças bem-feitas, humanas e simples, realizadas artesanalmente, com liberdade criativa. Ao realizar peças com total liberdade, sem a preocupação econômica gerada pelas metas de audiência e as amarras estéticas dos programas televisivos ou dos compromissos comerciais que a indústria cinematográfica impõe, o Grupo Teatro Para Alguém (TPA) atingia diretamente um novo público, que não se interessa necessariamente pelo teatro tradicional, formando um novo público para o teatro.

Em um segundo momento, experimentamos novos formatos. A parceria com o Núcleo de Dramaturgia do SESI-British Council nos forçava a sair do conforto e a tentar sempre novos formatos. Cada ano experimentamos coisas diferentes de acordo com a turma. Teve ano em que pedimos para eles criarem peças de 1 minuto e meio, por exemplo. Nessa época também buscamos ampliar a colaboração com outros artistas.

No terceiro momento, ao se esgotar o foco no teatro e na câmera única em plano-sequência decidimos aprofundar os estudos da linguagem cinematográfica. Era o surgimento da Canon 5D, e o cinema digital estava estourando. Decidimos usar essa câmera para entender como trabalhar o teatro com foco seletivo. Depois acrescentamos uma mesa de corte e fizemos peças com duas câmeras, cortando em tempo real ao vivo! Por fim, convidamos o VJ Scan Giuliano Scandiuzzi, que passou a controlar a mesa de corte e ainda remixar as imagens ao vivo. Assim ele aplicava um fundo que servia como cenário virtual em tempo real, de acordo com o que ele sentia da evolução da peça, como um DJ ao tocar músicas numa festa.

A ideia do remix veio da cultura digital, como dissemos, por isso é importante explicar com mais detalhamento a seguir. Todo bem criado digitalmente tem as seguintes características:

1) É colaborativo. A Internet é uma rede. Portanto, ela interliga pessoas. E seu conteúdo é feito para esse fim: ser colaborativo. Daí meu desejo era aproveitar a experiência vivida no Teatro da Vertigem e radicalizar os processos colaborativos para o novo período digital;

2) A cultura digital tem sua reprodutibilidade nata (músicas e arquivos podem ser copiados e distribuídos livremente na rede, tornando confuso o que é original e o que é cópia);

3) A sua natureza é remixável (samplers de música, tratamento de fotos digitais, editabilidade etc.). Todas as fotos são feitas para serem tratadas no Instagram, para colocarmos frases, para interferirmos – mesmo que seja com carinhas de bichinhos em nosso rosto);

4) A livre circulação do bem cultural digital (as redes de compartilhamento de músicas e vídeos) serviu de inspiração para que todas as peças e fotos do grupo sejam até hoje totalmente gratuitas e livres para embed [ser incorporada] por qualquer site, podendo até serem baixadas).

Reprodução Renata em frame da apresentação ao vivo de ‘Vozes urbanas’ (2011). peça de Sérgio Roveri que teve momentos remixados por VJ Scan

Desde então, o processo colaborativo se tornou uma questão sempre presente, que foi trabalhada de formas diferentes:

1) Democratizando o site do Teatro Para Alguém, abrindo-o para a exibição do trabalho de outros grupos ou artistas convidados. Como Os Satyros, Elias Andreato, Companhia Auto-Retrato, a Companhia de Teatro Fábrica São Paulo e o espetáculo O ovo e a galinha, dirigido por Vanessa Bruno e idealizado e atuado por Angélica di Paula;

2) Iniciando uma pesquisa interna no grupo ao implementar o procedimento colaborativo na criação dos espetáculos do TPA, a partir da peça Nunca feche o cruzamento [2011, texto de Lucimar Mutarelli, direção de Renata e elenco formado por Gilda Nomacce e Lourenço Mutarelli].

3) Intensificando o trabalho com artistas convidados (de teatro e de outras áreas, como o cinema) para participar das peças do Teatro Para Alguém, de modo a propiciar um radical intercâmbio de propostas diferentes e a autoria colaborativa de todos os trabalhos. Nessa forma de parceria trabalhamos com artistas como Mário Bortolotto, Miriam Mehler, Antonio Prata, Iara Jamra, José Mojica Marins (Zé do Caixão, 2036-2020), Sérgio Roveri, Paulo César Pereio, Marco Antônio Braz, Antônio Petrin, Marta Góes, Helena Ignez, Angela Dippe [que mudou a grafia Ângela Dip], Andreia Horta, Yara de Novaes, Cynthia Falabella, Fernando Alves Pinto, Henrique Schafer, Sabrina Greve, Zé Henrique de Paula e Arrigo Barnabé.

4) Buscando o intercâmbio com outras companhias que trabalham questões correlatas ao grupo. Em fevereiro de 2011 realizamos na Oficina Cultural Oswald de Andrade uma série de atividades denominada Teatro em Conexão. Entre outras coisas, o TPA fez debates com artistas e núcleos teatrais nos quais participaram os diretores Antônio Araújo (do Teatro da Vertigem), José Fernando Peixoto de Azevedo (do extinto Teatro de Narradores) e Marcelo Lazzaratto (da Companhia Elevador de Teatro Panorâmico). Todos os encontros foram filmados e estão disponíveis no site e no YouTube.

O viés virtual do Teatro Parar Alguém nunca significou uma contraposição ao teatro tradicional e, sim, uma expansão de seus limites, físicos, formais e organizacionais. Todo o trabalho do grupo parte de uma encenação real e tradicional, com público e em determinado espaço. Porém, a concepção da encenação já contempla a presença de uma câmera que se incorpora organicamente à montagem. Esta é sempre complementada à transmissão ao vivo na internet e à publicação posterior da peça, na íntegra, no site do TPA e nos seus canais no YouTube ou Vimeo. O objetivo, insistimos, é a democratização cultural na busca pela multiplicação do conhecimento e da difusão do fazer teatral, que agora tem na Internet uma valiosa ferramenta de criação, de divulgação e renovação radical dos modelos de encenação que precisa ser fomentada. Todos os trabalhos virtuais são livres e gratuitos.

Por fim, decidimos sair de nossa casa. No momento em que surgiu a internet banda larga via celular (com o sinal 4G) [no Brasil a partir de 2012], qualquer lugar poderia ser palco de encenação. Mais uma vez inspirados na minha experiência no Vertigem começamos a investir em locações, e não em palcos italianos [frontal] como era estruturado em nossa casa.

Toda a complexidade, o ineditismo e a vanguarda dessa experimentação artística foi reconhecido pelo público e pela crítica. Em 2009 o grupo foi indicado ao 22º Prêmio Shell de Teatro em São Paulo, na categoria especial, pela “iniciativa de criação cênica via internet”. Em dezembro de 2010, o TPA conquistou o Programa Petrobrás Cultural com um projeto voltado à cultura digital – de apoio ao aprimoramento de websites brasileiros já existentes. Fomos selecionados entre mais de 140 inscritos.

No final de 2011 aconteceu o lançamento Efêmero revisitado – Conversas sobre teatro e cultura digital, acerca do trabalho do grupo e fruto de uma pesquisa de Leonardo Foletto contemplada com a Bolsa Funarte de Reflexão Crítica em Mídias Digitais de 2010, disponível para download gratuito no site do TPA. No mesmo ano, os trabalhos do Grupo Teatro Para Alguém foram vistos em 57 países, atingindo todos os continentes. Em média, mais de 1.500 espectadores diários acessam os conteúdos do TPA, entre peças, fotos, vídeos diversos e textos espalhados livremente em diversos sites.

Nelson Kao Renata Jesion e Nelson Kao, abaixo, e a partir da esquerda: Manoela Rabinovitch, Anne Cerutti, Carolina Barranco, Lourenço Mutarelli, Paulo César Pereio, José Mojica Marins, Mário Bortolotto, Danilo Marques e Maurício Tibiriçá em um dos trabalhos do grupo

Dentro do Brasil, 57% das visitas não provinham das três maiores cidades do país (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), ou seja, oferecíamos peças de qualidade para regiões que nunca tiveram acesso. O Google identificou 656 cidades brasileiras que acessaram diretamente o site em 2011. Naquele período, quase 2% das visitas já eram realizadas pelo celular, ou seja, de qualquer lugar do país (em um momento que não existiam lives de Facebook ou Instagram!).

O Teatro Para Alguém já se consolidou como uma vitrine na qual artistas independentes podiam exibir com total liberdade criativa seus projetos pessoais que antes não eram possíveis. Também foi um grande laboratório de experimentação entre artistas de diversas áreas com artistas teatrais e novos dramaturgos. Foi um espaço para criadores que foram descartados pela ótica mercantilista e não possuem mais espaço nas mídias tradicionais. Era desejo do TPA resgatar grandes mestres de relevância ímpar na produção artística do país.

Pode discorrer um pouco mais sobre a série acerca do Antunes?

Kao – Por enquanto eu e a Renata somos os diretores e produtores. O roteiro inicial também é nosso. Ainda está muito no início, por isso não podemos revelar muitas coisas. O título provisório é Desequilíbrio, referência ao exercício fundamental de preparação dentro do CPT. Através dele, o ator se obriga a explorar momentos de desequilíbrio e ainda a manter seu eixo de estabilidade invisível, que o interliga entre o céu e a terra, entre o micro e o macrocosmo. É a espinha dorsal de concentração para entender novas formas de se reposicionar constantemente em movimento, numa busca pelo autoconhecimento corporal e espacial com o palco em que se pisa. Antunes parecia nunca se contentar com o que tinha, estava sempre exercitando internamente seu desequilíbrio, para sempre estar em movimento à procura de novas possibilidades artísticas. E exigia de seus discípulos e artistas em formação o mesmo rigor, uma honestidade artística e uma busca de reinvenção contínua e exaustiva que beiravam a loucura. É este caminho que queremos traçar em nosso filme, tirando a todos da posição de conforto e redescobrindo a trajetória com os seus acertos e defeitos do grande mestre e de todos os artistas que surgiram e herdaram seu método, nós mesmos incluídos.

É possível estabelecer pontes entre as funções de direção de fotografia no cinema e de direção de arte no teatro? Como as define?

Kao – Sim. Mas primeiro vamos esclarecer os termos. No teatro às vezes é difícil falar em direção de fotografia ou direção de arte. São equipes muito menores ou inexistentes, não cabendo a definição de “direção de…”. No cinema, tudo é mais industrial e cada parte feita por um especialista. A soma dos talentos de cada componente das equipes faz a fotografia, que é coordenada pelo diretor de fotografia, e que muitas vezes nem toca na câmera. Mesmo assim ele é o responsável pela fotografia, por isso, “diretor de fotografia”. No cinema ele coordena três equipes: a elétrica (responsável pela iluminação), a maquinária (que faz os movimentos e a fixação dos equipamentos) e a equipe de câmera. A mesma coisa ocorre com o diretor de arte. Ele coordena toda a equipe de arte (nas áreas de cenário, figurinos e maquiagem) para se chegar a uma unidade visual. Para ser um “diretor de …” em qualquer área você tem de ser um especialista e ao mesmo tempo generalista, pois precisa coordenar equipes especializadas para chegar a um resultado com unidade. E ainda criar sinergia entre a fotografia e a arte, criando a linguagem visual da obra, no teatro ou no cinema.

Serviço:

.:. Acesse o site Teatro Para Alguém

.:. E seus canais no Vimeo e no YouTube.

.:. Assista abaixo ao vídeo da peça Parece que vai chover, de
Eduardo Brito e direção de Renata Jesion. No elenco, Maria Alice Vergueiro contracena com Bianca Lopresti. Exploração do foco seletivo, cortes (realizadas ao vivo!) e espaços não-convencionais. Na 1ª Mostra Teatro Para Alguém realizada em 17 de dezembro de 2012 na Oficina Cultural Oswald de Andrade.

.:. E, abaixo, ao vídeo da webpeça Nunca feche o cruzamento (2010), texto de Lucimar Mutarelli dirigido e adaptado por Renata Jesion, tendo no elenco Gilda Nomacce e Lourenço Mutarelli. A criação explora duas câmeras, foco seletivo, e as possibilidades que seriam só viáveis com a câmera, e não em um teatro convencional e presencial, conforme Nelson Kao.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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