12.9.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2007
TEATRO
Ator de “Os Sertões” adapta e dirige obra de Camus
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
É preciso muito cinismo para alimentar tempos medíocres. O escritor franco-argelino Albert Camus (1913-60) ergue essa sentença com despudor em “A Queda”, novela publicada em meados dos anos 1950.
“[O livro] trata do homem moderno mais moderno que existe: o cínico”, diz o ator Aury Porto, 43. Ele adapta, dirige e está no elenco de “A Queda”, versão teatral que estréia hoje no Sesc Consolação.
“Esse é o homem da hora em nossa sociedade. Não importa a classe, a orientação sexual, a geração, o grau de instrução, a profissão, o sexo: estamos todos imersos na hipocrisia e no cinismo. Isso virou a estrutura de nossa organização social”, afirma Porto, um dos protagonistas de “Os Sertões”, do Oficina, aqui em projeto paralelo.
Para um tempo vazio, um profeta idem, como se autodefine o João Batista que ciceroneia um interlocutor por ruas e inferninhos de Amsterdã. João Batista, citação à figura bíblica do Novo Testamento, é nome fantasia de um sujeito que não terá sua identidade revelada.
Essa “criatura diabólica”, nas palavras de Porto, dispara ironias para convencer o ouvinte das suas verdades e idéias, na condição de um excêntrico juiz penitente. O livro reflete a polêmica ideológica travada por Camus e Jean-Paul Sartre no pós-guerra, o que pôs fim à amizade desses intelectuais.
As referências à mitologia cristã também atraíram Porto, que deparou com o livro pela primeira vez em 1989, estudante de teatro na USP, e desde então viu amadurecer o interesse pela obra.
“Essa mitologia é tratada de forma mais crítica por Camus do que por Euclydes da Cunha, que é um cristão mais adaptado”, diz, ao comparar os autores de “O Estrangeiro” e “Os Sertões”.
Porto contracena com Luah Guimarãez, Ricardo Morañez e Rogê. O espetáculo teve consultoria teórica de Manuel da Costa Pinto, crítico da Folha. Cearense de Lavras da Mangabeira, Porto está radicado em São Paulo há 20 anos, envolvido sobretudo com o grupo Oficina. Em 2006, co-dirigiu e atuou com Renée Gumiel em “Cinzas”, de Samuel Beckett.