31.8.1997 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 31 de agosto de 1997. Caderno A – 3
VALMIR SANTOS
São Paulo – A figura de Plínio Marcos, com sua camiseta regata, seu chinelão, sua bolsa de livros, a perambular pelos teatros da Capital, no ganha-pão às próprias custas, traduz muito do espírito controverso do escritor. No curso dos 62 anos de vida, ele sempre optou pela margem, pela periferia, pela contramão.
“Navalha na Carne”, “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, “Abajur Lilás”, “Querô” – para citar algumas -, suas peças já escancaram essa condição de artista que carrega uma bandeira. “Eu quero é contar a história da gente minha, que é essa gente que só pega a pior, só come da banda podre, o bagulho catado no chão da feira. Quero falar dessa gente que mora na beira dos córregos e quase se afoga toda vez que chove. Quero falar dessa gente que só berra da geral sem nunca influir no resultado.”
È assim que Plímo se define em “Figurinha Difícil – Pornografando e Subvertendo”, lançamento recente da Editora Senac. Neste livro, ele revela um lado pouco conhecido da sua obra. È um excelente contador de histórias, de “causos” que remontam à sua Santos natal, onde começou mais de 40 anos atrás, sob a lona de um circo. De quebra, relata episódios da sua relação sempre espinhosa com o regime militar.
“Figurinha Difícil…” vem embasar a facilidade com que o autor de “Dois Perdidos…” transita na linguagem das ruas. Uma oralidade espontânea, preenchida com uma língua afiada, ora ou outra com palavrões, sim, como convém ao povão.
Mesmo o leitor não afeito à história recente do Teatro Brasileiro vai encontrar no livro cota de humor para se entreter com garantia. Dom Hélder Câmara driblando o cerco da censura para assistir a “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, gesto decisivo para a liberação da peça; Plínio contando sobre como caiu nas mãos de uma mãe-de-santo e foi protagonista de uma macumba numa encruzilhada movimentada de São Paulo, o que lhe rendeu uma “viagem” no camburão da polícia; a incrível saga surreal de Nego Orlando, o amigo de juventude em Santos, que expulsou um burro do campinho de futebol com um murro no animal, garantindo um pênalti para seu time; enfim, são passagens que envolvem porque rememoradas pelo autor com muita leveza.
Plínio deixa claro que uma regra em sua trajetória foi sempre caminhar, ir à luta, sem chorar as pitangas, mesmo diante das maiores diversidades que um ser humano pode passar submetido a um governo autontário. Dividido em cinco partes, “Figurinha Difícil…” é uma leitura que converge o dramaturgo, o homem e o cidadão – todos funâmbulos entre a tragédia e a comédia. A emoção em Plínio oscila nos dois extremos, daí sua riqueza.
Figurinha Difícil – Pornografando e Subvertendo – De Plínio Marcos. Editora Senac (rua Dr. Vila Nova, 228, 4º andar, tel. 236-2136. R$ 25,00.