Menu

O Diário de Mogi

Stoklos envia “fax” de ira vocal e corporal a Colombo

5.11.1992  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 05 de novembro de 1992.  Caderno A – capa

Atriz toma navegador genovês como referência em seu novo e impactante espetáculos, onde critica desde Delfim a Lula, indignada com a pequenez social e cultural do País

 

Valmir Santos

Dá gosto de ver, mas angustia. Oespetáculo “500 anos – Um fax de Denise Stoklos pra Cristóvão Colombo” atiça osnervos do espectador. Não no sentido pejorativo do trabalho, mas da enxurradade miséria e podridão histórica que a atriz despeja, corporal everborragicamente, invadindo nossos olhos e ouvidos. Stoklos atua com ódio,depois transformado em amor, denunciando as “colombadas” que vitimaram milhõesde inocentes e defenestraram a cultura de países que foram colonizados, como México,Peru, Bolívia, Brasil, entre outras comarcas da América Latina. Tudo a partirda perspectiva do navegador genovês. É uma peça-porrada em plena comemoraçãodos 500 anos do continente.

Stoklos faz um personagem náufrago,escrevendo seu diário de bordo. Passeia pelo caos social-político de 1492 atéos dias atuais. Num dos momentos mais tenso do espetáculo, e por isso mesmo aatriz repete insistentemente “Quem se interessa? É muito chato, cansativo”, oslivros são a tábua das atrocidades cometidas por colonizadores ao longo dahistória. São citados com minúcia de autor, título, editora, ano de lançamento.E o “teatro essencial” de Stoklos – corpo, voz e mente – aponta o genocídio deíndios, de negros e outros nativos.

 

A atriz, indignada por ter bancado todaa produção de “Um Fax…”, sem nenhum patrocínio brasileiro, repudia apoliticagem vigente. Das “delfinettadas” às “luladas”, quando critica LuizInácio Lula da Silva por pedir apoio a Roberto Marinho para o movimentopró-impeachment. Afinal, foi a Globo que inventou o “caçador de marajás”. Comoem “Mary Stuart” e “Casa”, concebe, dirige e atua sozinha na sua últimamontagem. “Um Fax…” estreou em agosto em Colônia (Alemanha), percorrendo todaa Europa, para chegar ao Brasil mês passado, em Curitiba (PR). Aos 25anos de carreira, ela lança seu livro “Denise Stoklos – The Essential Theatre”,em inglês, acrescido de versão reduzida da tese sobre seu trabalho, por SuziSobral, na New York University. Terça-feira, lançou também “Tipos”, com textose poesias. É, hoje, mais reconhecida no Exterior que em seu país. “Eu sou livrepara falar o que quiser”, diz, emocionada ao final de “Um Fax…”. Imperdível.

500 anos – Um Fax de Denise StoklosPara Cristóvão Colombo – Concepção, direção e atuação de DeniseStoklos. Hoje, amanhã e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingressos: Cr$ 55 mil(quinta a sábado) e Cr$ 45 mil (domingo). Teatro Sesc Pompéia (rua Clélia, 93,tel. 864-8544). Até domingo.

Sob a direção de Adamilton AndreucciTorres, 38 anos, o Tumc optou por levar o teatro às ruas e praças públicas napassagem dos seus dez anos de existência (veja o box). “O Capeta deCaruaru” encerra a trilogia iniciada em 89 com “A Cara Nossa de CadaDia”, seguida por “Cenas em Cena”, apresentada na UMC no finaldo ano passado, com participação especial do grupo folclórico Meninos daPorteira, de Sabaúna.

Por l hora e 20 minutos a praça CoronelAlmeida serviu de território-limite de Caruaru. O cenário,resumido num painel de pano de cerca de oito metros de largura, lembrando oformato de uma casa, traz os indícios da caatinga nordestina: o sol abrasador,o cacto ressecado, a mula esquelética e a pequena igreja, símbolo da fédaqueles que só deixam o cariri no último pau-de-arara.

O prefeito António Cipriano e o padreDamião — que também passam, respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipiraPiu — são o pivô da história. A troca de personagens confunde os moradores.Dona Cosma está preocupada com o marido que transou com uma égua, dando origemao cavalo de cabeça de gente. Este se apaixona pela moça que não pára decrescer e já está com a cabeça ao nível das telhas da casa. O pai, António dasAlmas, reivindica fervorosamente, junto à prefeitura local, um guindaste paraque a filha possa se locomover. Eis os fenômenos absurdos que indicam apresença do capeta em Caruaru. Tudo, é claro, pincelado pelo humor escrachadodos nordestinos, profundos amantes da superstição.Um cavalo provido de cabeçahumana casou-se ontem com uma moça acometida pela doença do coqueiro — maispara girafa —, filha do cangaceiro António das Almas. O enlace aconteceu emfrente à Igreja Matriz. Antes das pazes, porém, houve muita confusão. Quempassou pela praça Coronel Almeida a partir das 12 horas viu de perto asarmações de uma bruxa escatológica tentando azucrinar o pacato cotidiano de umacidade de Pernambuco. Eram os 18 integrantes do grupo Teatro da Universidade deMogi das Cruzes, o Tumc, encenando “O Capeta de Caruaru”, de AldomarConrado.Sob a direção de Adamilton Andreucci Torres, 38 anos, o Tumc optou porlevar o teatro às ruas e praças públicas na passagem dos seus dez anos deexistência (veja o box). “O Capeta de Caruaru” encerra a trilogiainiciada em 89 com “A Cara Nossa de Cada Dia”, seguida por”Cenas em Cena”, apresentada na UMC no final do ano passado, comparticipação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.Por lhora e 20 minutos a praça Coronel Almeida serviu de território-limite deCaruaru. O cenário, resumido num painel de pano de cerca de oitometros de largura, lembrando o formato de uma casa, traz os indícios dacaatinga nordestina: o sol abrasador, o cacto ressecado, a mula esquelética e apequena igreja, símbolo da fé daqueles que só deixam o cariri no últimopau-de-arara.O prefeito António Cipriano e o padre Damião — que também passam,respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipira Piu — são o pivô da história.A troca de personagens confunde os moradores. Dona Cosma está preocupada com omarido que transou com uma égua, dando origem ao cavalo de cabeça de gente.Este se apaixona pela moça que não pára de crescer e já está com a cabeça aonível das telhas da casa. O pai, António das Almas, reivindica fervorosamente,junto à prefeitura local, um guindaste para que a filha possa se locomover. Eisos fenômenos absurdos que indicam a presença do capeta em Caruaru. Tudo, éclaro, pincelado pelo humor escrachado dos nordestinos, profundos amantes dasuperstição.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

Relacionados