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Crítica

Poa em Cena – Histórias de amor líquido

14.8.2012  |  por admin

Foto de capa: Desconhecido

Parte da equipe e das escolhas formais de Um navio no espaço ou Ana Cristina César, apresentado no festival em 2010, está presente na produção do Rio cujo título ratifica a influência do sociólogo e ensaísta polonês Zygmunt Bauman e seu livro Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2003).

A direção de Paulo José se deixa levar pragmaticamente pelos recursos audiovisuais que em raros momentos atingem a dimensão poética dominante na montagem anterior. As projeções ajudam a compor o espaço cenográfico (parede, janela, ponte). Ganham status, inclusive, de personagens holográficos contracenando com atores ao vivo.

Outras mediações (celular, câmara web do notebook, telão de videokê) vão se acumular e turvar os sentidos da audiência diante das três narrativas. Dificultam o estabelecimento de vínculo com o espectador. A dramaturgia tripartida de Walter Daguerre e as atuações ficam a reboque desses “utilitários” de cena. Ou seja, um espetáculo que intenta refletir o isolamento social termina ele mesmo engolfado pelas teias que elege.

As três histórias sucedem intercaladas. Em Rua sem saída, o acaso e a insônia unem um vigia e uma mulher notívagos, ela desnorteada após uma separação. Em A casa da ponte, um jovem casal passa uma noite na antiga residência dos pais dele, um tanto abandonada. A relação aberta e as memórias daquele lugar, herdado, provocarão uma profunda reflexão nesta parceria. Por fim, A corretora rastreia a superficialidade cotidiana levada ao extremo com uma negociadora de relacionamentos, uma gestora de como se dar bem na vida, investidora de alpinismo social.

Neste terceiro segmento, deparamos com a farsa a diagnosticar o modo descartável das relações de resultado. Uma mulher de negócios com pinta de conselheira de autoajuda faz a mediação para o sucesso de um jogador de futebol emergente. Tenta armar para ele um casamento de fachada, um bebê, e a consequente separação: o roteiro que se conhece do noticiário. A implosão da ética é ostensiva, em que pese resistência da moça virgem em não ceder à sedução da empresária do craque da vez.

Os procedimentos artificiais (a rigor, o teatro sempre flertou com eles) sublinham a virtualidade, o enquadramento das telas, a distância conferida mesmo entre aqueles que dizem amar-se. A questão é como afirmar a arte ao vivo, sua presença, sua humanidade. Resta a Histórias de amor líquido atingir essa escala nos aspectos mais elementares. A começar pelos atores. Ana Kutner, Bel Kutner, Natália Garcez, Alcemar Vieira e Adriano Garib passam a maior parte do tempo à mercê das estratégias audiovisuais e suas marcações engessadoras.

O jornalista viajou a convite da organização do festival.

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