Nota
17.8.2014 | por Teatrojornal
O Núcleo Bartolomeu de Depoimentos veicula desde sexta-feira, 15/8, manifesto em defesa de território artístico-cultural intitulado A Arte de sediar existência. A ação decorre da ameaça de despejo de sua sede. São oito anos de atividade no número 786 da rua Doutor Augusto de Miranda, no bairro paulistano da Pompeia. A pressão é da especulação imobiliária, pauta na ordem do dia na cidade.
“Já é bastante difícil viver em uma sociedade que iguala o direto à vida ao direto à propriedade. Viver em uma sociedade onde, segundo a lei, a liberdade e a propriedade são garantias igualmente invioláveis sem nenhuma distinção”, lê-se na abertura do documento.
Conforme relato enviado à imprensa: “No final do ano passado fomos informados que deveríamos desocupar o imóvel onde há 8 anos fica nossa sede, pois ele seria demolido para a construção de um empreendimento imobiliário. Em nenhum momento fomos consultados sobre a possibilidade de compra do imóvel, como haveria de ser feito segundo a lei. Desde então, em resposta à ação predatória da especulação imobiliária e na observância de que o direito de preferência não estaria sendo respeitado tentamos o diálogo com os representantes da Ink Incorporadora no sentido de entrarmos em um acordo, onde medidas reparatórias foram propostas considerando todo o investimento realizado no local e principalmente o que ele representa hoje para a cidade em termos de patrimônio artístico-cultural; a Ink incorporadora negou o interesse de firmar qualquer acordo que envolve-se medidas reparatórias”.
Os artistas do Núcleo Bartolomeu e seu advogado decidiram que a melhor maneira de lidar com o conflito é torná-lo público. “Diante deste quadro e dos constantes assédios da incorporadora, nos ameaçando com uma ação de despejo, resolvemos permanecer na sede, tornar pública a nossa situação e pedir de maneira clara uma reparação.”
Haverá uma série atividades com foco nessa discussão e em harmonia com as conversas e proposições de outros coletivos artísticos de São Paulo que também estão sob ameaça constante e têm se organizado a fim de buscar uma solução conjunta.
A atriz-MC Roberta Estrela D’Alva, do Bartolomeu
O manifesto:
A Arte de sediar existência, manifesto em defesa do território artístico-cultural.
Já é bastante difícil viver em uma sociedade que iguala o direto à vida ao direto à propriedade. Viver em uma sociedade onde, segundo a lei, liberdade e propriedade são garantias igualmente invioláveis sem nenhuma distinção.
E é bem pior (ou muito mais arriscado) quando o direito à propriedade se transforma na eliminação de todos os outros direitos. Quando um “negócio” vira a mercantilização da vida. Quando um “empreendimento” significa expulsão, exclusão. Quando “incorporar” é sinônimo de destruir o patrimônio cultural comum. Quando um apartamento é justificativa para apartar.
O pleno exercício dos direitos culturais e artísticos (e suas formas de expressão) é garantia constitucional e considerado em sua natureza material e imaterial. Faz parte do rol que convencionou-se chamar de patrimônio cultural brasileiro.
Não é possível que o direito aos bens de mercado privado de poucos sejam mais importantes que o patrimônio cultural de muitos.
Sem cultura não há sociedade. Sem memória não há o que partilhar.
Nós, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, dizemos não a esta lógica indigesta e convocamos um debate público sobre qual é a forma e de que maneira podemos proteger a memória e as formas de criação estética materializadas no território cultural dos espaços–sedes dos coletivos artísticos da cidade de São Paulo.
No nosso entender, não é admissível que os grandes empreendimentos imobiliários destruam o patrimônio cultural dos grupos e sua troca com a cidade, e não proponham nenhum tipo de reparação.
É inadmissível que os empreendimentos cheguem como um “aparato invasor” e não dialoguem com o entorno ou com seus ocupantes. Não há negociação. Há, sim, expedientes que privatizam a discussão, apartando a sociedade e a cidade do debate e alijando os moradores de seu próprio bairro.
É preciso perceber que o que está em jogo é a cidade que queremos. Toda vez que se fecha um espaço artístico, um projeto de interesse público morre em detrimento de um projeto de interesse privado (que prevalece, modifica todo o entorno e sumariamente destrói, naquele território, a troca entre a cidade e a arte, apagando a memória e a criação estética/política daquele lugar).
Qual é o projeto de cidade destes empreendimentos?
Qual é a função social dessa arquitetura?
Qual é o diálogo que existe entre a história do território e esses “prédios”? E, sobretudo: O que a cidade recebe em troca de tal iniciativa?
É de notório conhecimento que o ato de permutar materializa a troca de uma coisa por outra. De toda forma, este ato passou a se mostrar como uma ferramenta eficiente de mascarar a falta de respeito ao direito de preferência de todo e qualquer inquilino, impossibilitando, mesmo que de forma ínfima, a resistência à destruição.
O que está em jogo é uma cidade.
Diante de tudo isso e, sobretudo, por acreditar que a pólis ainda é possível, que a rua é mar sem fim e que a cidade é o espaço comum para o convívio dos diferentes, nós, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, afirmamos publicamente que iremos abrir o diálogo com a sociedade através de eventos públicos na nossa sede e em seu entorno, e que mesmo diante das ameaças de despejo permaneceremos aqui, na tentativa de garantir a nossa existência.
Vamos publicamente exigir reparação para que tudo não seja visto apenas como uma “questão de mercado” e que os territórios artísticos culturais possam existir em sua plenitude.
TER SEDE É SEDIAR NOSSOS SONHOS
TER SEDE É TER SEDE POR TRANSFORMAÇÃO
TER SEDE É CONSTRUIR O IMAGINÁRIO CONCRETO
TER SEDE É TER ONDE POUSAR
“Por que não existe outro pouso nem outro lugar de sustento….”
Acreditando que a melhor maneira de lidar com o conflito é torná-lo público, convocamos a quem se sentir tocado a se juntar a nós nesta Odisseia.
Quem sentir verá. Quem sentir será.
Att.
Núcleo Bartolomeu de Depoimentos
Cronograma de ações abertas a quem quiser participar:
14/8
Lançamento do manifesto no ZAP! Slam
15/8
Lançamento e compartilhamento nas redes às 11h da manhã.
18/8 a 22/8
Planejamento, convocatórias e produção das ações.
22/8
Panfletagem das 11h às 15h
Ponto de encontro às 10h30 na porta do Núcleo Bartolomeu.
27/8
Debate: A cidade que queremos
5/9 a 6/9
Vigília-manifesto
19/9
Estreia do espetáculo-intervenção Baderna, de Luaa Gabanini
.:. Ouça a fala do ator-MC e diretor musical Eugênio Lima, um dos integrantes do Núcleo Bartolomeu, no lançamento do manifesto na noite de sexta-feira: