Reportagem
Os dois espetáculos da Espanha que serão apresentados durante o Festival de Teatro carregam um forte teor político, tanto no conteúdo quanto na forma de trabalhar.
O Agrupación Señor Serrano, grupo de Alex Serrano Tarragó, poucas vezes se apresenta em seu próprio país devido às restrições impostas à arte contemporânea pelo governo de Mariano Rajoy.
E Roger Bernat faz em Numax Fagor plus uma simulação de reunião sindical, como se o público fosse uma plateia de trabalhadores.
Os casos ficcionalizados pelas duas companhias são inspirados em fatos reais, e ambas criam situações que lembram mais o jogo que a representação de papéis.
A house in Asia, de Serrano, parte da caçada a Osama Bin Laden em seu show midiático, que ele gosta de chamar de “cinema ao vivo”.
Usando várias câmeras, telões, maquetes, bonecos e os próprios corpos, os atores criam projeções a que o espectador assiste ao mesmo tempo em que vê todo o processo de manipulação.
O viés escolhido para tratar da captura e morte do líder terrorista, por si só extremamente cinematográfica, foi um “jogo de espelhos” identificado pelo grupo em todo o caso.
“Tudo começou quando vi uma notícia de jornal sobre o descobrimento de uma casa na Carolina do Norte idêntica à de Bin Laden. Depois surgiu outra na Jordânia onde foi rodado o filme A hora mais escura , e mais e mais cópias daquilo que não era sequer um monumento”, diz Serrano à Gazeta do Povo.
Outros elementos reais ligados ao pós-11 de Setembro foram considerados bizarros e entraram na dramaturgia do espetáculo: um codinome usado pela CIA (“Gerônimo”, citando o líder dos apaches que guerrearam contra a ocupação do oeste norte-americano) e o pseudônimo “Mark Owen” (citando o vocalista da band Take That), usado pelo fuzileiro naval que escreveu o livro Não há dia fácil, narrando a operação. “Virou um exercício de suplantação”, diz Serrano.
Com poucos ingressos disponíveis, Numax Fagor plus acontecerá numa tenda no terreno do Teatro do Paiol, onde o público será promovido a personagem.
Por meio de sistemas de projeção, o grupo faz ressurgir palavras realmente usadas durante assembleias de funcionários de duas fábricas de eletrodomésticos, Numax e Fagor, fechadas no processo de desindustrialização espanhol.
Em ambas, os trabalhadores precisaram decidir se assumiam o controle após a falência ou não – processos ocorridos em 1978 e 2014.
“Fazemos um jogo em que nem todos veem ou ouvem o mesmo”, diz o diretor Roger Bernat. “Cada um toma a decisão de encarnar ou não um personagem. As pessoas podem só assistir, mas também têm a possibilidade de ser um dos personagens históricos da luta trabalhista. E isso divide o público em dois. O mais bonito é quando o público não profissional é quem faz o papel.”
Bernat conta ter se inspirado nos jogos de representação da história que se tornaram famosos nos anos 90, pelo qual grupos reencenam, por exemplo, batalhas famosas como a de Waterloo.
“Só que nesse caso não é uma batalha militar, e sim uma assembleia sindical”, diz o diretor da peça.
.:. Publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, Caderno G, em 21/3/2015.
Serviço:
A house in Asia
Onde: Teatro Positivo – Grande Auditório (Rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300, Curitiba, tel. 41 3317-3283
Quando: 25 e 26/3, às 21h
Quanto: R$ 70
Numax Fagor plus
Onde: Teatro do Paiol (Largo Guido Viaro, s/nº, Curitiba, tel. 41 3213-1340)
Quando: 2 e 3/4, às 21h
Quanto: R$ 60
.:. Mais informações no site do Festival de Teatro de Curitiba, aqui.
Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.