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Crítica

Elogio do diálogo em ‘Palhaços’

10.8.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: David D

Se o diálogo foi banido de muitas produções contemporâneas, Palhaços, espetáculo cujo tema é a própria arte, o retoma com saudosismo e faz dele seu centro nevrálgico. Mas o ritmo com que ele acontece e as performances periféricas poderão ser amadurecidos numa temporada futura. O espetáculo passou pelos teatros Regina Vogue e José Maria Santos em julho.

No texto do paulista Timochenco Wehbi (1943-1986), escrito em 1974, o clown depressivo Careta (Andrew Knoll) recebe um fã em seu camarim (Rogério Soares), Benvindo. O vendedor de sapatos chega tímido, idolatrando o astro, e aos poucos vai ouvindo confidências de suas agruras e percebe que o artista não é um ser humano mais feliz que os outros, afinal de contas.

As interpretações são feitas como num mergulho, ou seja, você acredita que está diante daquela dupla, que discute suas reminiscências e os caminhos que os levaram à arte e ao comércio.

Knoll revelou um outro lado de seu trabalho de ator em relação ao canastrismo (proposital) estimulado em trabalhos da companhia Vigor Mortis. Deixou a fala empolada, mas manteve a rapidez da oratória, trazendo um pouco de exagero quando necessário. Um dos pontos altos do espetáculo é o uso do metateatro, que aparece em falas de Careta. São alguns momentos, como no comentário após uma palhaçada típica do circo (“essa é velha”) ou, endereçando uma equipe periférica e muda de malabaristas e músicos (“vocês estão só na minha imaginação”).

As performances circenses entram na luz como pequenas perfeições, um contraste interessante com o humor decrépito do artista cômico

Enquanto falam (e eles falam muito) a relação entre os personagens vai se alterando, de poder versus submissão para a troca de confidências furiosas. Soares também convence com seu almofadinha, personagem que passa de fraco a forte.

As performances circenses entram na luz como pequenas perfeições, um contraste interessante com o humor decrépito do artista cômico. E os músicos que acompanham a encenação e estão em grande parte do tempo no palco podem trabalhar ainda sua “presença” – será que há mais de um jeito de “só estar lá”?

Numa encenação centrada na longa interação de dois personagens, surge a necessidade de surpreender. E mesmo as surpresas criadas pela diretora Mariana Zanette – as tais reminiscências de Careta sobre a vida no circo e performances das duas duplas periféricas – se tornam repetitivas.

O enredo relembrado por Careta envolve uma noiva, uma gravidez interrompida, uma fuga, traição, bebida. São tantos nós que o espectador pode perder o fio da meada.

No aspecto visual, o cenário de Aorélio Domingues, os figurinos de Mariana e a luz de Wagner Correa elaboram em cima do tema do circo. Detalhes como a peruca destrambelhada, os caprichados capote e sapato do palhaço, o terno engomadinho de Benvindo indicam que realmente há uma direção, um projeto, um pensamento unívoco. Faltaria mais surpresa e ritmo.

Debater a arte requer um show de arte, algo que Mariana está elaborando em sua nova guinada pela direção teatral, que já rendeu um bom Nelson Rodrigues em Doroteia, uma farsa irresponsável (2013).

Ficha técnica:
Texto: Timochenco Wehbi
Direção: Mariana Zanette
Com: Rogério Soares e Andrew Knoll (atores), Marina Prado e Matias Danoso (artistas circenses), Marcela Zanette e Evandro Cardoso (músicos)
Luz: Wagner Correa
Cenário: Aorelio Domingues
Figurino: Mariana Zanette e Augusta Zanette
Produção: Santa Produção
Maquiagem: Lilian Marchiori

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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