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Reportagem

‘Paranã’ lê o estado por meio de três autores

16.8.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Marcelo Almeida

Para colocar a literatura paranaense sob os holofotes, os diretores de Paranã, em cartaz no Novelas Curitibanas, privilegiam em cena a presença de quatro ótimos atores. No formato de monólogos, eles trazem alguns dos textos mais importantes de escritores locais, que situam suas narrativas em diferentes partes do estado.

“Outro elemento de união é a excelência dos textos, que retratam pessoas esquecidas, desvalidas e solitárias, mas que constroem histórias diárias poderosas”, disse à Gazeta do Povo a idealizadora Nena Inoue, que realizou três ensaios abertos destinados à imprensa e estudantes.

O cenário é exíguo, bancos e poltronas onde os atores estão sentados. Pouco mais. Quando chega a vez de cada um falar, a luz certeira de Beto Bruel cria mundos ao redor dos intérpretes, faz sair sol, cair a chuva.

O projeto de Nena Inoue começou em 2007 com leituras dramáticas que incluíram Mar paraguayo, que ela considera a obra-prima de Wilson Bueno, morto em 2010. O texto foi reduzido e “encaixado” no corpo e voz de Silvia Monteiro, que dá vida a uma guarani moradora de Guaratuba, onde é a libertina local, “marafa”, sortista. A novela de Bueno inova ao mesclar o português ao espanhol e guarani, e Silvia usa isso em seu monólogo, sob direção de Nadja Naira. Se algumas palavras são incompreensíveis, o todo do relato é absorvido na interpretação generosa da atriz. Vale ressaltar que são oito anos de experiência com o texto.

Eles celebram a literatura local, que muitas vezes serve de substrato ao teatro, usando com parcimônia os recursos da teatralidade

Esfuziante é a narração que Rafael Camargo faz de O encalhe dos 300, texto do londrinense Domingos Pellegrini que a equipe também considera sua obra-prima. É a hora de irmos ao interior enlameado, onde a chuva impede que caminhões, ônibus e carros saiam de um atoleiro entre Cruzeiro do Oeste e Cianorte. O texto parte do melhor e do pior do ser humano em situações de crise, e a interpretação de Camargo não economiza vigor, energia, entrega.
A direção foi de Nena, que, por sua vez, foi dirigida por ele ao contar pequenos textos de Dalton Trevisan – o escritor foi o “autor inaugural” do Novelas Curitibanas, em 1992, quando Ademar Guerra revolucionava nossa cena teatral com O vampiro e a polaquinha.

Dois velhinhos, Ipês e Mil passarinhos são textos mais líricos do que sacanas na extensa obra de Dalton, em que a Praça Tiradentes revela flores no alto das árvores sobreviventes, mas que ninguém vê florescer, e atitudes poéticas de onde nada se esperaria.

Nena também dirige o caçula do grupo, Ricardo Nolasco, da Casa Selvática. A portentosa figura empresta só a cabeça para o mais teatral dos solos, O grande circo de cavalinhos, de Dalton. Usando objetos e bonecos, ele confere ainda mais fantasia ao hiperbólico conto em que ninguém sai ileso de um espetáculo circense.

A hora da literatura

Além das apresentações até 6 de setembro, em alguns domingos, às 16 horas, a trupe propõe encontros no próprio Novelas para falar da nossa história teatral. Em 2016, Nena trará Curitiba Mostra, projeto que reúne diferentes coletivos encenando vários escritores locais (como Manoel Karam e Jamil Snege).

Silvia Monteiro atua em um dos quatro monólogosMarcelo Almeida

Silvia Monteiro atua em um dos quatro monólogos

Criação exige do espectador a arte final do espetáculo

O maior mérito da montagem de Paranã é a importância que dá ao público ao exigir dele a “arte final” do espetáculo, o que é feito na imaginação de cada um.

As pessoas fictícias de que os atores falam surgem quase que exclusivamente pela palavra dos atores, grandes protagonistas das cenas. Além disso, o grupo consegue transmitir o “tamanho” das obras selecionadas, fazendo uso delas, tornando-as vivas.

Além de colocar em pé um tipo de montagem que, com pessoas menos preparadas, poderia ser um martírio, o grupo escolhido a dedo contribui para criar em cena um clima de confraternização. Apesar de cada um estar em seu nicho, quase sem ação que não seja narrada, surgem interações entre eles com o olhar; por vezes, um pouco mais efusivas, com o canto, a dança.

Eles celebram a literatura local, que muitas vezes serve de substrato ao teatro, usando com parcimônia os recursos da teatralidade – na luz, na narração –, para explodir no grotesco ao final.

Publicano originalmente no jornal Gazeta do Povo, Caderno G, p. 1, em 6/8/2015.

Serviço:
Onde: Teatro Novelas Curitibanas (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1.222, São Francisco, Curitiba, tel. 41 3321-3358).
Quando: Quinta-feira a domingo, às 20h. Até 6/9.
Quanto: Grátis

Ficha técnica:
Texto: Dalton Trevisan, Domingos Pellegrini e Wilson Bueno
Direção: Nadja Naira, Nena Inoue E Rafael Camargo
Elenco: Nena Inoue, Rafael Camargo, Ricardo Nolasco e Silvia Monteiro
Direção de texto: Babaya
Iluminação: Beto Bruel
Operação de luz: Semy Monastier
Cenário: Alfredo Gomes e Ruy Almeida
Figurino: Ranieri Gonzalez
Trilha sonora: Luiz A. Ferreira e Rodrigo Barros Del Rey
Operação de som: Luiz A. Ferreira
Designer gráfico: Martin de Castro
Assessoria de imprensa: Ana Carolina Caldas
Fotografia: Marcelo Almeida
Assistência de produção: Nina Ribas
Produção: Gabriel Machado e Nena Inoue
Idealização: Nena Inoue
Realização: Espaço Cênico

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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