Reportagem
A placa na parede do apartamento de Suzana Saldanha com a frase ‘o segredo do sucesso é começar novamente’ descreve um pouco de como a sua vida tem sido. Depois de 30 anos morando e trabalhando no Rio de Janeiro, a atriz, diretora e professora de 69 anos volta a atuar nos palcos de Porto Alegre com o solo Eu. A reestreia ocorre nesta sexta-feira (16/10), com a primeira de quatro apresentações na Sala de Música do Multipalco Theatro São Pedro.
Depois de trabalhar com Domingos Oliveira, Aderbal Freire-Filho e Gerald Thomas, além de continuar sua parceria com Luiz Arthur Nunes, Suzana voltou por motivos de saúde e familiares – retorno, aliás, nada fácil. “A cidade, como um todo, não suporta que você saia daqui, essa é a grande crítica que eu faço. Não é por nada que (o músico gaúcho) Bebeto Alves escreveu Festa dos caranguejos“, desabafa. “Me revolto com isso, a minha música favorita é Imagine, de John Lennon. Eu nasci aqui, entro e saio quando eu quero. Podemos ficar aqui e crescer profissionalmente, é verdade, mas quem trabalha com arte tem que ter o desejo de conhecer o outro no seu local.”
Desde que retornou a Porto Alegre, Suzana já dirigiu a peça O mundo de Camila, monólogo para crianças estrelado por Márcia do Canto, e lançou o livro Meu nome é Anita, parceria com Elma Sant’Ana que reúne dramaturgia e resgate histórico de Anita Garibaldi. Mas a grande volta da atriz será mesmo com este solo.
Suzana destacou-se na década de 1970 por integrar o Grupo de Teatro Província, liderado por Luiz Arthur Nunes (diretor de Eu), reconhecido por suas encenações experimentais. O Província contrastava com o Teatro de Arena, liderado por Jairo de Andrade, que se propunha um teatro que privilegiava o engajamento político.
A primeira vez que Porto Alegre presenciou um espetáculo de teatro pós-dramático foi com ‘Love, love, love’ (1981), dirigido por Luiz Arthur Nunes
O novo espetáculo não foge ao que Suzana acreditava desde os tempos de Província. O texto, assinado por ela, surgiu a partir do encantamento da atriz pela palavra “desamparado”, encontrada no livro Quem pensas tu que eu sou?, do psicanalista Abrão Slavutzky. “Eu sou viciada no teatro pós-dramático, que acaba com o tal do textocentrismo. O pós-dramático mistura tudo, literatura, fragmentos de peças, cartas, biografias, fotografias, poemas etc”, enfatiza ela.
Suzana emenda que a primeira vez que Porto Alegre presenciou um espetáculo de teatro pós-dramático foi com Love, love, love (1981), também dirigido por Luiz Arthur Nunes. “Na época, nenhum jornalista me perguntou se a peça era biográfica, e na verdade era. Mas ainda nem se falava em pós-dramático”. Love, love, love mostrava a relação de quatro amigos e tinha no elenco, além dela, Pilly Calvin, Gilberto Perin e Guto Pereira.
A artista também dedicou sua vida ao magistério (deu aulas em colégios, na Ufrgs e na UFRJ) e ao teatro de grupo. “Sou professora de alma e sempre acreditei no trabalho de grupo, que posso dizer que mudou para melhor. Éramos uma igreja, não convidávamos pessoas de fora. Agora as pessoas entram e saem dos grupos. No meu tempo, se tu ousasses dizer que ia fazer uma novela, seria execrado”, conta Suzana, citando Adriane Mottola, Liane Venturella e Nelson Diniz como pessoas com quem ela gostaria de colaborar.
Com Eu, ela pretende se aproximar dos espectadores: “São necessários dois elementos para que exista teatro: quem faz e quem vê. Eu quero é isso. O teatro não está morto, está vivo. E também não quero um público morto, que quando o espetáculo termina se levanta e bate palma porque acha cafona não fazer isso. Isso estabelece uma relação de falsidade com o ator”.
Entre os espetáculos teatrais que atuou, ela destaca A comédia dos amantes (1979), com direção Luís Artur Nunes; A mulher carioca aos 22 anos (1989), O tiro que mudou a história (1991) e O carteiro e o poeta (1997) com direção de Aderbal Freire-Filho; Electra Concreta (1986), de Gerald Thomas; e Senhora dos afogados (2010), com direção de Ana Kfouri.
Além de participar em novelas e programas de TV, Suzana também brilhou nas telas, venceu o prêmio de melhor atriz coadjuvante do Festival de Gramado com o longa Separações (2002), de Domingos Oliveira. “As coisas foram acontecendo na minha vida, não foi nada planejado. Quando olho para trás, gosto de fechar a casa, dar as coisas e começar tudo de novo.”
.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Viver, p. 1, em 16/10/2015.
Serviço:
Onde: Sala de Música do Multipalco do Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n, Centro, Porto Alegre, tel. 51 3227-5100)
Quando: Sexta e sábado, às 19h. Até 24/10
Quanto: R$ 50
Ficha técnica:
Dramaturgia: Suzana Saldanha
Direção: Luiz Arthur Nunes
Com: Suzana Saldanha
Assistente de direção: Isaias Quadros
Iluminação: Marga Ferreira
Técnico de som: Tiago Soares
Fotografia – Gilberto Perin
Escritório de produção: Marilourdes Franarin e Isadora Fagundes
Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).