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“Alemã reconhece a dor do centro de SP"

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Folha de S.Paulo

São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2005

TEATRO

Cia. Os Satyros estréia amanhã peça de Dea Loher inspirada em histórias de personagens reais da praça Roosevelt

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

É o encenador Rodolfo García Vázquez, 42, quem resume a ópera que tem lá seus vinténs: “Foi um processo muito louco: o olhar sobre o Brasil de uma dramaturga alemã, que ama o país, passando pelo olhar de um grupo alemão sobre o que ela trouxe e sobre o que eles imaginam que somos, e finalmente o nosso olhar sobre o Brasil a partir da praça em que vivemos e através do olhar dessa alemã e desse grupo. Tudo focado nesse cantinho de São Paulo chamado praça Roosevelt”.

Escrita pela alemã Dea Loher com base em histórias colhidas na praça paulistana e encenada em 2004 por Andréas Kriegenburg, do grupo Thalia Theater, de Hamburgo, “A Vida na Praça Roosevelt” vem à luz em seu ventre na montagem do coletivo teatral que, desde 2000, ajuda a tirar aquele espaço público da margem: a cia. Os Satyros. É a segunda parte de trilogia sobre o local (aberta com “Transex”, em 2004, e que deve ser fechada com “Há Vida na Praça Roosevelt”).

Traduzido por Christine Röhrig, o texto de Loher desenha uma geografia afetiva e trágica em calçadas, bares e apartamentos habitados por homens e mulheres; solitários dali e alhures, alienados, apaixonados, viciados, abandonados ou desempregados vítimas da violência que rebate na carne e no espírito de cada um.

São 13 artistas em cena, conforme ensaio a que Loher, 40, assistiu na semana passada. Vértice das duas montagens, ela falou à Folha da Alemanha, por e-mail.

Folha – Que especificidades vê nos dois espetáculos?

Dea Loher –
São tão diferentes quanto os desafios específicos que os diretores enfrentaram com seus grupos. Na Alemanha, Andréas sabia que a referência “real” [o lugar] estava muito longe e não sabia se o público iria rejeitar as pessoas e situações do texto ou se aceitaria a proposta de identificação que ofereceu (aceitaram!).

Os atores alemães tentaram criar uma atmosfera de alta pressão, densa e dura para a vida interior dos personagens; tentaram assim legitimar a necessidade e a urgência de contar essa peça.

A idéia era que a platéia, ao final, não saísse dizendo: “Gente, tais “freaks” existem no mundo”. Mas sim: “Olha, é uma história sobre nós”. E funcionou: a referência “real”, geográfica, tornou-se referência real social que o público alemão conheceu e entendeu.
Em São Paulo, o caminho é oposto; a preocupação é transcender ao aspecto local que o texto possa provocar, ou seja, seduzir o público a ver além do horizonte.

Rodolfo tinha que criar uma distância, um estranhamento para abrir um novo espaço e uma possibilidade fresca de reconhecimento do cotidiano. Conseguiu fazer isso com alusões aos personagens de circo e usando uma estética tipo conto de fadas do avesso.

Assim, ele usa a peça como uma alegoria, só que dentro dessa alegoria se fala de condições muito reais. É essa quebra, acho, que faz com que o público, vindo com a expectativa de ver mais uma história sobre personagens que já conhece (ou pensa que conhece), de repente se veja diante de um espelho que, através da distância e do estranhamento, se torna um meio de reconhecimento.

Folha – Como foi “reencontrar” a peça montada no local de origem?

Loher
Eu seria muito feliz se essa peça fosse capaz de mostrar que nessa cidade, São Paulo, e nesse país, Brasil, existem centenas e centenas de biografias, histórias que, sim, têm uma característica brasileira, mas que também podem ser entendidas no resto do mundo. Vale a pena falar dessas vidas loucas, trágicas, cômicas, miseráveis, absurdas; vale a pena escrever sobre isso não com vergonha ou lamento, mas com compreensão, sinceridade e até orgulho e respeito. A vida não está limpa nem em ordem. A vida é caos, sujeira, tormento. E é isso que a torna bela e rica. Citando um grande escritor: “A vida em ordem não conhece a dor”. Há reconhecimento sem conhecer dor?



A Vida na Praça Roosevelt
Quando:
estréia amanhã, às 21h; sáb., às 21h, e dom., às 20h30; até 18/12 
Onde: Espaço dos Satyros (pça. Franklin Roosevelt, 214, tel. 0/xx/11/3258-6345) 
Quanto: de R$ 5 (moradores) a R$ 20