9.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 09 de maio de 2007
TEATRO
Peça “O Manifesto” começa temporada em São Paulo explorando crise conjugal
Texto do britânico Brian Clark ganha versão de Flávio Marinho e é atualizado, com críticas ao Reino Unido e aos EUA na invasão ao Iraque
VALMIR SANTOS
Enviado especial ao Rio
Uma manhã típica dos 50 anos de convivência. Em meio ao café, o general-de-brigada aposentado lê o jornal antes de sair para jogar cartas com os amigos no clube. Bufa, faz blague do noticiário político do país, a Inglaterra. Ao lado, sua mulher, uma dama, também abre um jornal, mas de linha editorial mais progressista.
São indícios da precipitação que estremecerá o casamento nas próximas horas de conversa. Ou de “combate”, como ilustra o ator Othon Bastos. Ele contracena com Eva Wilma em “O Manifesto”, peça de Brian Clark, autor inglês contemporâneo. Com tradução e direção de Flávio Marinho, tem pré-estréia na sexta em São Paulo, no teatro Renaissance.
Vinte anos atrás, houve uma montagem carioca dirigida por José Possi Neto e protagonizada por Beatriz Segall e Cláudio Corrêa e Castro. O pano de fundo da guerra é atualizado para a tomada do Iraque por EUA e Inglaterra. Mas o drama que encerra o típico humor britânico resulta mais circunscrito ao exercício da tolerância a dois.
Numa passagem, Margareth contemporiza: “Sei que você detesta, Edward, mas você realmente tem senso de humor”.
Ao que ele retruca: “E por que eu deveria detestar?”. Ela responde: “Porque o senso de humor é muito subversivo. Antes de rir, você tem que levar em conta os dois pontos de vista”.
É justamente numa página inteira de jornal que o militar zeloso da defesa da pátria se depara com a publicação de um manifesto assinado por “todos os comunas, frescos, atores desempregados, políticos desonestos”, como diz. E também por sua mulher, fato que o deixa pasmo. O documento pede a retirada das tropas norte-americanas do Iraque.
Na casa dos 60 anos, Margareth é movida pela consciência da finitude, como se saberá ao longo do diálogo. Sai da sombra do marido, retorna para a universidade, começa a trabalhar e vem agora a público na condição de militante de esquerda com o sobrenome do general.
Ele sublimou a farda, ela os livros. “Você passou seus melhores anos longe de mim e eu os meus melhores longe de você”, diz Margareth. “Nós vivemos em planetas distintos.” Artistas que ajudam a fazer a história da televisão e do cinema brasileiros, Othon Bastos, 74, e Eva Wilma, 73, dividem o palco pela segunda vez na carreira. A primeira foi em “Pequenos Assassinatos” (1971, direção de Osmar Rodrigues Cruz, que morreu neste ano), em temporada paulistana.
Como o general e a mulher da peça, eles conhecem a experiência de casamentos longos. Também não foram poucas as superações para tocar a vida pessoal e o ofício.