1.9.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 01 de setembro de 2006
TEATRO
Diretor da companhia alemã Volksbühne inicia turnê por seis cidades do país
“O Teatro é o esporte do pensamento”, diz Castorf; “Na Selva das Cidades” será apresentada hoje e amanhã no Sesc Pinheiros, em SP
VALMIR SANTOS
Da Reportagem local
O diretor alemão Frank Castorf age um pouco como os personagens de “Na Selva da Cidade”: aprecia dizer não. Na peça do dramaturgo também alemão Bertolt Brecht (1898-1956), um bibliotecário se recusa a “vender” a um negociante a sua opinião negativa sobre determinado romance.
É o “parti pris” algo surrealista do texto que se revelará mais complexo nas relações humanas sob os vetores afetivos, políticos e sociais. Isso tanto no contexto da Chicago de 1912, centro financeiro em que se passa a ação original, quanto na geografia indefinida da releitura de Castorf, que cabe em qualquer metrópole de 2006.
Em nova passagem pelo Brasil com a cia. Volksbühne (da qual se viu “Estação Terminal América” no ano passado, livríssima adaptação de “Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams), Castorf traz a montagem de “Na Selva das Cidades” que estreou em fevereiro na sede do teatro estatal, na antiga Berlim Oriental -espaço inaugurado em 1914 e construído por uma associação de operários. No Brasil, a turnê passa por seis cidades, começando por São Paulo (há apresentações no Sesc Pinheiros, de hoje a domingo).
Castorf já disse não, por exemplo, a um teatro que dirigia e do qual foi demitido no início dos anos 80, por causa de um espetáculo politicamente incorreto. Mais recentemente, resistiu apenas um ano como diretor artístico do Ruhrfestspiel, um festival internacional do interior alemão, sob alegação de “afastar o público”.
Deu tempo de levar o projeto “Os Sertões”, do grupo Oficina Uzyna Uzona, que depois fez temporada no próprio Volksbühne.
“Teatro é o esporte do pensamento”, diz Castorf, 55, que recebe a Folha no hotel em que está hospedado.
Saudade da morte
Como Zé Celso, que dirigiu “Na Selva das Cidades” em 1969, ele destaca a antevisão do jovem Brecht -é sua terceira peça- quanto aos regimes de exceção e à deterioração da vida, em vários aspectos, na cotação do sistema capitalista.
E nem é o Brecht, cujo cinqüentenário de morte é lembrado este ano, do paradigma da luta de classes, do contorno épico que vai caracterizar a fase, por assim dizer, mais madura de sua obra. Nos anos 20, segundo Castorf, sua dramaturgia soava lírica, sob influências do dadaísmo e do jazz, em meio à lama, à solidão, à selva, ao inferno de Rimbaud.
Anos depois, Brecht dizia que “Na Selva…” embutia alguma “saudade da morte”. “Ele assimilou e vomitou tudo por meio da escrita.
Ao terrorismo político, contestou com o terrorismo poético, a independência de pensador que praticou a vida toda.” No enredo, o bibliotecário Shlink e o comerciante Garga entram numa espiral de discussões que passa por valores materiais e imateriais.
Eles até convivem, conhecem o campo de um e de outro, há inclusive uma sugestão homoerótica, mas o ringue é inevitável.
“O Garga entra com família, o Shlink com a riqueza. Um sabe que vai perder a família e o outro sabe que vai perder o dinheiro, num comportamento de quem é viciado em jogo, um jogo de forças”, diz o diretor.
A turnê, que incorpora técnicos e atores brasileiros, faz parte do programa Copa da Cultura (MinC, Instituto Goethe e Sesc-SP) e segue para Santos (Sesc local, 5 e 6/9), Salvador (Teatro Castro Alves, 9 e 10/9), Guaramiranga, no CE (Festival Nordestino de Teatro, 15/9), Fortaleza (Teatro José de Alencar, 18/09) e Brasília (Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro, 21 e 22/ 9).
Na selva das cidades
Quando: hoje e amanhã, às 21h; dom., às 18h
Onde: Sesc Pinheiros – teatro (r. Paes Leme, 195, tel. 3095-9400)
Quanto: R$ 20