17.12.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 2005
TEATRO
Pai, mãe e oito filhos recuperam tradições em “Histórias de Teatro e Circo”, peça em cartaz no Sesc Belenzinho
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Dos muitos Brasis desconhecidos, um deles certamente é puxado pela companhia Carroça de Mamulengos. Ela é formada por pai, mãe, oito filhos e mais dois artistas, todos fazedores de cultura popular.
Hoje e amanhã à tarde, no Sesc Belenzinho, a Carroça encerra sua primeira longa temporada em “trânsito” por São Paulo, cidade onde fez passagens-relâmpago nos últimos anos.
Quando a Burrinha Fumacinha dá seus galopes curtos no palco, interpretada por Isabel, 7, sob o canto e os acordes do violão de Maria, 21, desenha-se o ciclo dos filhos de Carlos Gomide, 50, e Shirley França, 40, no espetáculo “Histórias de Teatro e Circo”.
A personagem foi criada justamente para incorporar ao espetáculo a então primogênita Maria, em meados dos anos 80. Agora, o rito de passagem cabe às gêmeas Isabel e Luzia, esta brincante-mirim paramentada de Bode Pinote, um cabritinho.
Pedro e Mateus, 10, os também gêmeos predecessores, sentem-se os próprios Carneirinho Belém e Tamanduá Meleta em cena, tímidos e folgazões.
Dali a pouco, surgem os adolescentes Antônio, 18 (o Dragão Xodó), Francisco, 15, e João, 13 (os Jaraguás Rosa e Florinda). Na segunda parte, eles reaparecem em pernas-de-pau, à altura dos palhaços com nariz vermelho que também assumem.
“O “Histórias de Teatro e Circo” é como uma lavoura na qual vamos experimentando novas plantações, aperfeiçoando a cada filho que chega”, diz o bonequeiro e compositor Carlos Gomide, mestre-de-cerimônias e diretor-geral do espetáculo.
Bonecos e reisados
A saga da família tem início em 1977, em Brasília, quando o goiano Gomide junta-se ao artista Humberto Pedrancini. Eles criaram o grupo Carroça e confeccionaram bonecos a partir de sucatas. Montaram a brincadeira (como preferem) “As Bravatas de Professor Tiridá na Usina do Coronel Dijavuna”, com texto de Januário de Oliveira.
O contato com o mamulengueiro Antônio Alves Pequeno, o mestre Antônio do Babau, com quem conviveu por cerca de três anos na cidade paraibana de Mari, descortinou outras possibilidades para Gomide, que conheceu as tradições de reisados, bandas de pífanos, repentistas, emboladores de coco etc.
Consolidou a Cia. Carroça de Mamulengos. Em 1982, conheceu a atriz Shirley França em Brasília. E de lá para cá ganhou corpo a companhia familiar.
Aos poucos, cada filho vai se afinando com o que mais gosta. Para Maria, é a música; Francisco, percussão; Antônio, as artes visuais e manuais.
Apesar de certa mística que emana da peça (Gomide tem cabelos e barba à imagem de Cristo) e da reunião de pais e filhos (além das participações de Beto Lemos e Maria de Miguel), Gomide diz que a Carroça “não tem o mínimo desejo de fortalecer a instituição família, base do Estado, da propriedade”. “Creio que a minha família é maior do que esta que está comigo. Essa visão dos laços consangüíneos acaba separando, cria desarmonia, falta de comunhão na sociedade. Minha família é um punhado de pessoas que sonham o mesmo sonho”, diz Gomide.
Como o movimento cultural (ou “de vida”, como prefere) que a Carroça encabeça em Juazeiro do Norte (CE), por meio da União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus. Na semana passada, cerca de 40 desses artistas de origem humilde viajaram até o Rio para dançar, cantar e brincar nos Arcos da Lapa, dentro do 2º Encontro do Padre Cícero com Profeta Gentileza. Um arrastão cultural da Carroça.