14.4.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2005
TEATRO
Representantes dos herdeiros do dramaturgo só vão liberar peças se entidade pagar dívida relativa aos direitos autorais
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Bertolt Brecht (1858-1956) não pode mais ser montado no Brasil até que seus herdeiros recebam os direitos autorais das produções dos últimos dois anos, dinheiro que não foi repassado pela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a Sbat. O único caminho é negociar direto com os representantes do autor alemão, destaque da dramaturgia universal com seu teatro político.
A medida foi anunciada no início de março, pelo agente de Brecht para a América do Sul, o argentino Nicolás Costa, representante da editora alemã Suhrkamp Verlag, de Frankfurt, que administra a propriedade literária do dramaturgo.
Segundo Costa, a Verlag “suspendeu qualquer contratação de direito de montagem de obras de Bertolt Brecht e de Thomas Bernhard no Brasil até que a Sbat pague o dinheiro recebido de várias empresas teatrais”. A dívida relativa a autores da língua alemã é de 6.300 (cerca de R$ 21 mil).
O agente considera o assunto grave, como escreveu por e-mail à companhia paulistana Cia. Oberson, Lourdes e os Mexicanos, formada por atores recém-saídos da Teatro-Escola Célia Helena e dirigida por Ruy Cortez.
Na sexta-feira passada, a companhia não conseguiu estrear “A Alma Boa de Setsuan”, no Centro Cultural São Paulo, porque não tinha o documento relativo aos direitos autorais, mesmo com a mediação do Instituto Goethe de São Paulo. O departamento jurídico do CCSP exige que a situação seja regularizada antes da temporada.
“A Sbat não paga e atravanca a situação de um grupo como o nosso, que não tem dinheiro, organiza festas para levantar a produção e vem se movendo por utopia. É um absurdo”, diz Cortez. “A entidade tem que assumir e dizer publicamente quando vai representar a cultura e o teatro nacional com seriedade.”
Responsável pelo departamento de obras internacionais da Sbat, a dramaturga Denise Faissal, 65, reconhece a crise da entidade, que tem sede no Rio de Janeiro e representações em São Paulo e em outros Estados.
“É desagradável, mas Brecht não pode ser montado enquanto não fizermos um acordo com seus representantes”, diz Faissal, 65. No início da semana, ela enviou a Costa uma proposta de parcelamento da dívida atrasada, assumindo compromisso de colocar as contas em dia. “A Sbat não pode botar o chapéu onde a mão não alcança”, diz ela, que ainda não obteve resposta.
O episódio reflete a “crise de imagem” pela qual a Sbat passa desde 1998, com denúncias de desvio de repasses estrangeiros por funcionários e mudanças na diretoria.
Já a produção de “Galileo Galilei”, que estreou na semana passada e fica em cartaz até domingo no teatro Alfa, obteve contrato até final de julho com a Suhrkamp Verlag (com apoio da Embaixada da Alemanha). E vai repassar 6% da bilheteria para o escritório de Costa. Em média, tanto aqui quanto no exterior, essa porcentagem para o autor é de 10%.
“É uma vergonha ser proibido de montar um autor por causa da falta de repasses por uma entidade que deveria nos defender, fiscalizar”, diz a produtora Marisa Sant’Ana, 48, de “Galileo”, projeto que une a Orquestra de Câmara da USP e a Cia. de Teatro Phila 7, na qual o ator convidado Paulo César Pereio faz o protagonista.
Além de Brecht, o austríaco Thomas Bernhard (1931-89) também não pode ser encenado via Sbat. O diretor gaúcho Luciano Alabarse, que vem de montar uma trilogia de peças do autor (“Almoço na Casa do Sr. Ludwig”, “A Força do Hábito” e “Heldenplatz”), conseguiu contrato para a terceira, com estréia em julho, negociando diretamente com Costa, por meio do Instituto Goethe de Porto Alegre.
“Não tive problema nas produções anteriores. Enviei os valores respectivos do borderô”, diz Alabarse, 51.
O Goethe paulista tenta sinal verde para que “A Alma Boa de Setsuan”, pela Cia. Oberson, finalmente entre em cartaz amanhã no CCSP. “Conversei com um dos diretores da editora, e ele se mostrou interessado em contornar a situação. Nosso objetivo é tentar conciliar ambos os lados, dos produtores brasileiros e dos representantes de Brecht”, diz Joachim Bernauer, 43, diretor de programação cultural do Goethe de SP.
No poema “Canção do Dramaturgo”, de 1935, em tradução de Geir Campos, Bertolt Brecht oportunamente assinalara: “Sou um dramaturgo: mostro/ o que vou vendo. No mercado humano/ tenho visto como se negocia a humanidade isso/ mostro eu, o dramaturgo”.