18.3.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 18 de março de 2006
TEATRO
Na peça do irlandês Brian Friel, Julia Lemmertz vive mulher que é submetida a operação para enxergar e sofre impacto da realidade
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Metáfora da condição humana em escritores como Borges e Saramago, a cegueira surge como um dado da realidade na peça “Molly Sweeney – Um Rastro de Luz” (1992), do irlandês Brian Friel.
Sem enxergar desde seus primeiros meses, uma mulher de 41 anos mergulha numa infelicidade sem fim quando depara com a recuperação parcial da visão.
Julia Lemmertz interpreta o papel na montagem que estréia hoje no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, uma encenação de Celso Nunes, e na próxima semana vai ao Festival de Curitiba.
A atriz surge ao lado de Orã Figueiredo, o marido que convence a personagem a fazer uma operação de risco; e de Ednei Giovenazzi, o oftalmologista outrora renomado que vê na paciente a chance de recuperar seu prestígio.
“Os homens induzem Molly à operação, não de forma maquiavélica, mas eles se esquecem de perguntar se isso seria bom para ela”, afirma Lemmertz, 42.
“Enxergar é um aprendizado difícil para quem já viveu tanto tempo e tem que encaixar o repertório de palavras às imagens. Ela abre o olho e não sabe o que fazer”, continua Lemmertz.
Um exemplo. Em criança, Molly ouvia dizer que seus olhos eram azuis feito uma florzinha do quintal de casa. No pós-operatório, o espelho lhe mostra os olhos em tons vermelhos, por causa do sangramento. Choque.
Por trás da lida com a deficiência, o diretor Celso Nunes afirma que Friel toca ainda na aceitação da diferença, da individualidade.
“A reflexão está fundamentada nos verbos ver e conhecer. O espectador pode transpor a história dessa mulher para a sua vida, questionando-se sobre a visão cega, a busca de caminhos quando a solução está mais próxima do que se imagina”, diz Nunes, 64.
“Visão Cega” era o título de outra montagem do texto em 2000, por José Renato, com Miriam Mehler, Oswaldo Mendes e Francarlos Reis. “É importante dizer que se trata de uma peça com três protagonistas, do contrário não poderia existir”, diz Lemmertz.
O trio passa o tempo em cena, cada um ocupando o nicho dos respectivos personagens que não conversam entre si; dirigem-se ao público na forma de depoimento. Cada um conta sua versão da mesma história.