17.1.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
TEATRO
Heron Coelho dirige adaptação de obra de Chico Buarque e Ruy Guerra que foi censurada em 1974
Produção que relativiza o conceito de traição de personagem histórico foi montada em 1980; versão estréia em São Paulo
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O diretor Heron Coelho fala de “Calabar – Breviário” com bom humor. Parece contrastar com o peso histórico e político do drama musical de Ruy Guerra e Chico Buarque. Ele traz à luz a peça escrita em 1973 e censurada pela ditadura antes da estréia, no Rio, em 1974.
Mas tais dimensões, diz o artista, 30, estão mantidas na adaptação que estréia amanhã no Sesc Avenida Paulista, na seqüência de sua bem-sucedida “Gota D’Água – Breviário” (2006), releitura da obra de Buarque e Paulo Pontes.
O personagem-título é uma referência a Domingos Fernandes Calabar, mameluco pernambucano que viveu no século 17. Ele foi educado por jesuítas e era aliado da Coroa Portuguesa, mas passou a apoiar os holandeses na invasão ao Nordeste do Brasil, a partir de 1632.
Na historiografia, seu nome é constantemente relacionado à traição, ato que Buarque e Guerra relativizam na obra. Calabar, propriamente, não aparece em cena. Sua história surge por meio de outros nomes, como o português Mathias Albuquerque e o índio Felipe Camarão, além do que seriam sua mulher, Bárbara, e sua amante, Anna de Amsterdam.
Em seus “breviários”, Coelho diz praticar liberdades e alegorias que sugerem diálogo com o que Fernando Peixoto, diretor da montagem abortada (1974) e da anistiada (1980), pretendia no “Calabar – O Elogio da Traição” original: divertir o público, espalhando pontos de interrogação, dúvidas e perplexidades.
Para Coelho, o texto reflete “a alma brasileira ignorada, destroçada, elidida em um dos mais violentos processos de colonização na América Latina”.
Há ao menos 27 anos “Calabar” não ganhava uma produção à altura. Era a terceira perna na trilogia que Gabriel Villela sonhava completar anos atrás, após encenar “Ópera do Malandro” e “Goda D’Água”), em torno da obra de Buarque para o teatro.
Para muitas gerações, a canção “Tatuagem”, de Chico e Ruy Guerra, consagrada na voz de Elis Regina, deve ganhar outros sentidos ao ser cantada, na peça, num ato de execução, como ilustram os versos: “Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva/ Marcada a frio, ferro e fogo/ Em carne viva”.
Dos dois, constam também canções como “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, “Bárbara” e “Cala a Boca, Bárbara”, esta uma corruptela para o nome do herói. A trilha incorpora ainda outras composições de Guerra, como “Esse Mundo É Meu” (com Sérgio Ricardo).
Além do espaço em formato de arena, os “breviários” de Coelho são caracterizados por música ao vivo e uma espécie de inversão na relação ator-personagem. “Não quero que se construa personagem, mas que este seja o ator ou a atriz. A Joana [em “Gota D’Água’], por exemplo, é a Georgette Fadel.”