São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2005
TEATRO
Lendário grupo alemão Volksbühne leva para Londrina “Luta de Negros e de Cães”, com Dimiter Gotscheff
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Um texto pouco conhecido entre nós do francês Bernard-Marie Koltès (1948-89) com uma companhia lendária da Alemanha, fundada em 1914 na antiga Berlim Oriental. “Luta de Negros e de Cães”, montagem de 2003 de Dimiter Gotscheff para o teatro Volksbühne, faz duas apresentações no Festival Internacional de Londrina na próxima semana.
Mais antigo evento do gênero no país (38 anos), o Filo 2005 começa amanhã e segue por 18 dias com 42 espetáculos balizados por grupos brasileiros e estrangeiros que buscam risco, ruptura e entretenimento. Com misto de cinismo e comédia, “Luta de Negros e de Cães” conta a história de Alboury, protagonista que é uma espécie de Antígona contemporânea: nativo africano, ele reivindica o corpo do irmão morto em um canteiro de obras francês.
Nesse local isolado, Alboury vai ao combate por meio das palavras com o chefe, ambos enredados ainda por uma parisiense desmemoriada e um engenheiro ensimesmado. O elenco é formado por Samuel Finzi, Wolfram Koch, Milan Peschel e Almut Zilcher. O búlgaro Gotscheff, 62, não vem ao Brasil, mas falou à Folha, por e-mail, sobre Koltès e uma Europa que também é abalada por seus Primeiro e Terceiro Mundos.
Folha – Os personagens parecem todos exilados naquele mundo à parte em que são obrigados a conviver. O sr. acha que a imagem do “exílio” pode ser uma das fortes alegorias para esse texto?
Gotscheff – Certamente. Mas é uma ilusão acreditar que existam zonas que ofereçam proteção. Os colonizadores transformaram a África em um gueto, e não se deram conta de que eles mesmos estavam lá dentro. De nada servem muros ou cercas. Há quatro, cinco séculos de história colonial, a destruição das pessoas acontece no interior de seu próprio grupo. É uma das razões para que, inclusive na Europa, comece a haver um movimento semelhante.
Folha – Comente o processo de criação de “Luta de Negros e de Cães”. O que pediu aos atores?
Gotscheff – Bernard-Marie Koltès é um dos poucos autores contemporâneos cuja linguagem é suficientemente forte e poética para dar conta de uma temática como essa, apesar de sua breve vida. O risco dessa peça é se tornar demasiado doce. Os atores me ajudaram a colocar o texto de outra maneira e a sair dessa espécie de pântano moral em que me havia metido. Heiner Müller dizia: “Os diretores são mendigos que vivem das esmolas dos atores”.
Folha – O sr. tem algum conhecimento do teatro brasileiro ou latino-americano?
Gotscheff – Uma das minhas maiores experiências teatrais foi com o teatro Piollin, do Nordeste brasileiro [João Pessoa]. Foi grandiosa. Era um tema brasileiro [o espetáculo “Vau da Sarapalha” fez turnê pela Alemanha em meados dos anos 90]. Um homem seminu atuava como um cachorro que sonhava. Isso era só o princípio. De Bogotá, conheço o La Candelária. Queríamos montar um romance de Gabriel García Márquez, mas não conseguimos os direitos. Então eles atuaram como atores tontos, estúpidos, que não conseguem chegar aos textos de Márquez. Genial. Quis contratar o ator do Piollin que fazia o cachorro [Servílio Holanda], para trabalhar na Europa, mas não deu certo. De qualquer forma, mando-lhe meus cumprimentos.