16.2.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 16 de fevereiro de 2008
TEATRO
“Arrufos”, do Grupo XIX de Teatro, reúne narrativas vinculadas aos séculos 18, 19 e 20; grupo se apresentará na Inglaterra
Iluminação do espetáculo traz 50 abajures, operados por atores ou espectadores; platéia é disposta por casal, mesmo quando não o são
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
As últimas linhas de “Sem Fraude Nem Favor”, em que o psicanalista Jurandir Freire Costa decompõe os dilemas do amor, dizem muito ao coração da terceira peça do Grupo XIX de Teatro, “Arrufos”, que entra em cartaz hoje em São Paulo.
“Durante séculos, a metáfora amorosa nos ensinou a buscar a felicidade na companhia do outro e acreditar que esse ideal era imortal. Hoje, trata-se de pensar no que significa “outro”, “companhia”, “felicidade” e “ideal imortal”.”
Costa e, sobretudo, a pesquisadora Mary Del Priore (“História do Amor no Brasil”) são alguns dos autores que nortearam o trabalho. O amor é construção sociopolítica, vincula-se profundamente a contextos históricos, reafirmam as três narrativas sobrepostas em “Arrufos”, dramaturgia em colaboração do grupo.
No século 18, sobre o tripé tradição-família-propriedade, estabelecem-se as forças da religião e do Estado sobre a vida pessoal.
Mulher, marido, filha, empregada e amante despejam sentimentos e ressentimentos entre o rumor e a contenção. Um século adiante, o trem já constitui opção ao transporte a cavalo, mas no Brasil as questões ainda são arcaizantes. Em cena, um casal é separado pelas diferenças sociais de suas famílias, a pobre e a rica. E fica evidente a idealização romântica.
No século 20 despontam moças e rapazes independentes, que pressupõem mais “consciência” e “liberdade” nas práticas e modos amorosos.
“É a primeira vez que nos aproximamos da nossa época.
Também nos questionamos sobre os modelos de relacionamento”, afirma Janaina Leite. Para a atriz, a linguagem do grupo desvia do realismo de situação para jogar um pouco com a farsa.
Normas e convenções
As três épocas traduzem as normatizações do casamento entre homens e mulheres segundo as convenções de turno. Os espetáculos anteriores tiveram suas escalas arquitetônicas representadas pelos prédios históricos e espaços públicos. A rua, a janela e a porta adquiriram mais significado sobretudo após a chegada do XIX de Teatro à Vila Maria Zélia, na zona leste da cidade. A antiga vila operária permanece como geografia da intervenção, mas com dimensão intimista.
A direção de arte de Renato Bolelli Rebouças cria como que “um grande quarto”, diz Marques. “A platéia é a parede, os olhos dessa alcova.”
No interior de um dos armazéns da vila, foi erguida uma estrutura de arquibancada em formato quadrado. No centro, seis atores e seis móveis adquiridos em antiquários co-habitam cerca de 2,5 m2.
“Trocamos a narrativa do espaço pela dos objetos”, diz a atriz Sara Antunes. Conforme evoluem os quadros, os personagens rompem esse espaço. Não dava para falar de amor à luz do dia. Daí as sessões noturnas. A luz usa 50 abajures, operados por atores ou espectadores, incitados a interagir e dispostos na arquibancada por casal, mesmo quando não o são, o que dá margem ao encontro.
Em junho, o grupo viaja para a Inglaterra. Faz 13 apresentações de “Hysteria”, sua primeira peça, nos centros culturais Barbican, de Londres, e no Contact, de Manchester, enquanto alguns dos seus atores ministram workshop sobre o processo de criação.