16.9.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 2005
TEATRO
Versão do diretor para “Dias Felizes”, com a alemã Miriam Goldschmidt, tem recepção fria no Porto Alegre em Cena
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O diretor inglês Peter Brook desponta, uma vez mais, no topo dos destaques anunciados pelo 12º Porto Alegre em Cena. Sua montagem alemã de “Dias Felizes”, de Samuel Beckett (1906-1989), teve última sessão ontem e não causou o mesmo impacto de “O Terno”, que passou pela capital gaúcha em 2000 e foi seu primeiro espetáculo visto no Brasil.
A primeira diferença é elementar: não se trata de um projeto do grupo multinacional de Brook, o Centro Internacional de Criação Teatral (Cict), de Paris.
O monólogo tragicômico do autor irlandês é defendido na língua alemã e em silêncios universais pela atriz Miriam Goldschmidt e pelo ator Wolfgang Kroke. Acompanha-se com legendas, “ruído” considerável em se tratando de comunicação beckettiana.
“A chave para a compreensão da peça está nas primeiras quatro palavras: “Wieder ein heimlicher tag (mais um dia de rotina)'”, diz Goldschmidt, uma das atrizes mais respeitadas em seu país.
Durante entrevista a um grupo de jornalistas no festival, ela não detalhou a composição da sua personagem, Winnie, que parece vegetar no vácuo do tempo e do espaço. Em “Dias Felizes” (1961), a protagonista está ciente de sua própria degradação.
Refugia-se no ritual das atividades banais, enquanto o seu corpo se precipita para a ruína.
No plano de fundo, o parceiro dela, Willie (Kroke), dorme boa parte do tempo. Os dias passam iguais. O fim aproxima-se.
Para os brasileiros, inevitável a lembrança do mesmo texto interpretado por Fernanda Montenegro nos anos 90, imersa até o pescoço no “monte de areia”, contracenando com o marido, Fernando Torres, sob a direção de Jacqueline Laurence.
No seu oitavo dia, o festival estréia hoje uma montagem uruguaia inspirada na vida de um dos principais escritores daquele país, Juan Carlos Onetti (1909-94).
Em “Onetti en el Espejo” (Onetti no espelho), a encenadora Patrícia Yosi pretende dar conta de sua personalidade e de seu mundo literário. O ponto de partida é o diálogo entre Onetti e a jornalista Maria Esther Gilio, com cartas trocadas num período de 27 anos, entre o Uruguai e a Espanha.
A peça quer retratar um jogo de sedução mútua, com revelações, humor e inteligência. Definido como misterioso e sedutor, o autor de “A Vida Breve” (1950) confessa sua angústia existencial, preocupações, preferências e obsessões. Também descreve o que pensava de seu país natal e de seu povo, sua ironia, seu didático pessimismo, sua opiniões políticas, religiosas, além de sua maneira de sentir e de viver.
Por trás das coxias, o festival também guarda cenas à parte. O espetáculo da Comédia Nacional do Uruguai, “Caníbales”, viajou sem os figurinos. Os técnicos da companhia baseada em Montevidéu estão em greve e “trancaram” o material.
A figurinista Paula Villalba recriou todas as roupas e adereços em questão de horas. Quem assistiu à montagem de Alberto Rivero no início da semana nem notou o problema, sobretudo pela excelente atuação do elenco que interpreta os personagens do húngaro George Tabori, sobre sobreviventes do Holocausto.