8.11.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2006
TEATRO
Diretor esteve no Rio para participar de evento de imersão no trabalho do Odin Teatret, companhia que criou há 42 anos
A antropologia teatral, conceito disseminado por Barba, influenciou grupos brasileiros; companhia está em festival até o fim do mês
VALMIR SANTOS
Enviado especial ao Rio
O teatro carioca está em estado de graça, e não só pelas comédias. Durante quatro semanas, até 28/11, público e artistas têm chance de dialogar concretamente (até para desmitificá-lo, por que não?) com um dos mais antigos grupos em atividade na Europa, o Odin Teatret, nascido há 42 anos na Noruega, radicado dois anos depois na Dinamarca e desde sempre dirigido pelo italiano Eugenio Barba.
Esse ziguezague por nacionalidades expõe os vetores artísticos, culturais e políticos de Barba, 70, disseminador do conceito de “antropologia teatral”, que define como o estudo do comportamento biológico e sociocultural do homem em registro de representação.
As técnicas que Barba e equipe conceberam para o treinamento de ator têm forte acolhida em países latino-americanos. No Brasil, as pontes mais emblemáticas são o Festival de Teatro de Londrina e o grupo Lume. Foi o co-fundador daquele grupo de Campinas, 21 anos atrás, Luis Otávio Burnier (1956-95), quem trouxe o diretor pela primeira vez ao Brasil, há quase duas décadas.
A seguir, trechos da entrevista com Barba, que foi embora ontem, deixando seus artistas no Festival Odin Teatret (cinco espetáculos, demonstrações, exibição de vídeos e workshop), uma iniciativa do CCBB-RJ.
FOLHA – Como a comunidade de Holstebro recebeu o grupo em 1966? [Antes, ele informa que foi naquela bucólica cidade da Dinamarca que o cineasta Carl Theodor Dreyer rodou “A Palavra”, de 1954]
BARBA – No início a comunidade nos rejeitou. Os camponeses até tinham ficado satisfeitos com a notícia de nossa chegada, em 1966. Mas depois se frustraram porque a gente não fazia teatro toda noite. A televisão local fez um reportagem mostrando nosso treinamento de voz, de corpo, e essa noção de teatro laboratório foi um choque para os camponeses. Vieram reações violentas. Os cidadãos fizeram uma assembléia, a única de que tenho notícias nesses 40 anos. Foi um encontro difícil, mas o prefeito convenceu a maioria a esperar por mais três anos para ver o resultado. Estamos lá até hoje.
FOLHA – Em seus escritos, o sr. lembra, citando o mímico francês Étienne Decroux (1898-1991), que o teatro não precisa de ter leis, mas seus artistas devem encontrar as suas…
BARBA – Mais que leis, eu diria que são constatações óbvias, mas esquecidas por aqueles que pensam somente em termos de categorias da arte. O teatro é uma estranha convenção. As pessoas vêm para ver outras pessoas. Agora, o único animal que é capaz de ser observado por outro é o ser humano. Se uma vaca for observada por 500 pessoas, ela não reage, não liga. Mas, se você está comendo num restaurante e alguém da mesa vizinha começa a olhar, você se pergunta por quê. É da natureza humana reagir à mirada do outro. O teatro é isso: um humano sendo observado por outro. O desafio é transformar esse momento de embaraço em algo que também embarace quem olha.
FOLHA – Qual o futuro dessa arte?
BARBA – Cada vez mais o teatro vai se constituir num refúgio. Um lugar e ao mesmo tempo uma prática em que o animal humano, que é social, pode refugiar-se para encontrar o outro. Um espaço para adoção de intimidade e, ao mesmo tempo, de separação. Um espaço em que se possa refletir sobre as tragédias da aldeia ou das que ameaçam a humanidade.