1.6.1997 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 01 de junho de 1997. Capa
Paulo Autran está em “Para Sempre “, com sessão única amanhã no Teatro Municipal de Mogi
VALMIR SANTOS
Uma das grandes expectativas quando da estréia de “Para Sempre”, no Festival de Teatro de Curitiba, em março, era quanto ao tema homossexual. Seria uma gay play, nos moldes de “O Melhor do Homem”, dirigida por Ulysses Cruz e atualmente em cartaz no Rio? A diretora Vivien Buckup define melhor o texto de Maria Adelaide Amaral. “E uma relação homossexual, sim, mas a questão é a dimensão humana, as dificuldades, o como as pessoas se afastam”, afirma. A montagem tem única sessão amanhã, no Teatro Municipal de Mogi, e marca o reencontro do público mogiano com um dos maiores atores do País – Paulo Autran apresentou o monólogo “Quadrante” em 1993, na reinauguração do Municipal.
O texto de Adelaide Amaral foi escrito especialmente para Autran. Mas quando ele leu, pensou um pouco antes de montá-lo. Até que aceitou. “Amor é amor, seja hetero ou não”, dispara Autran. Aos 75 anos, ele esbanja maturidade para encarnar um papel polémico. Está pouco preocupado com sua imagem, corroborada sobretudo pela televisão. Veículo, aliás, por qual nutre um desprezo sem meio-tons.
Em “Para Sempre”, Max (Autran) é um professor de Teoria Literária, que está unido há 18 anos com Tony (Celso Frateschi). A peça se passa quando eles enfrentam conflitos mais latentes, que colocam em jogo o futuro da relação. “Max não é uma bicha, com estereótipos; é um homem que tem sensibilidade e pensa muito”, explica o ator.
Na opinião de Autran, o viés da peça é justamente este: mostrar o homossexual com uma perspectiva humana, sem as tintas de aventura e promiscuidade difundidas principalmente pelo cinema. “Como se os casais heterossexuais também não fossem tão promíscuos quanto”, alfineta.
Além da direção, função na qual debutou em “Aguadeira” e ganhou corpo em “Cenas de Um Casamento”, Vivien Buckup desenvolveu um trabalho especial de expressão corporal. O Tony de Frateschi, por exemplo, surge sem afetação, apesar dos gestos delicados. Mas, no fundo, não deixa de expor sua virilidade, tomando a decisão de romper a relação.
Karin Rodrigues, companheira de outras montagens ao lado de Autran, interpreta Eva, o vértice do triângulo. Ela é amiga do casal e divide com eles suas torturas amorosas. Tem tanto carinho por Max, que acabe ficando com ele ao final (leia crítica abaixo).
Ao lado do elenco estelar, estão profissionais renomados da cena teatral brasileira. Gringo Cardia assina a cenografia; Fábio Namatame os figurinos; e Maneco Quinderé a iluminação.
Para Sempre – De Maria Adelaide Amaral. Direção: Vivien Buckup. Com Paulo Autran, Celso Frateschi e Karin Rodrigues. Única sessão amanhã, 21h. Teatro Municipal de Mogi (rua Dr. Corrêa, 515, tel. 460-1747). R$ 50,00. Disk ingresso: 470-9477.
Desfecho tira plenitude de “Para Sempre”
Casal homossexual se separa após 18 anos e um deles fica com outra mulher no final da história
Vindo de uma interpretação marcante em “Rei Lear”, um Shakespeare tão aguardado em sua carreira, era de esperar um Paulo Autran tão intenso quanto, sobretudo em se tratando de um texto assinado pela premiada Mana Adelaide Amaral. Nem uma coisa, nem outra. Há um senão em “Para Sempre” que resulta em uma decepção para o espectador atento. A autora junta duas pessoas do mesmo sexo, por 18 anos, e a separação culmina com uma delas nos braços de alguém do sexo oposto.
Max, o professor universitário pomposo e cheio de si, atravessa uma crise com seu companheiro, Tony, um bancário. A peça gira em torno das dificuldades de ambos em levar a relação adiante. Ficam cada vez mais paten tes as diferenças sociais, culturais. Tudo vai num crescendo coerente, cavucando as vicissitudes hu manas, como Adelaide Amaral sabe fazer tão bem – vide obras anteriores, como “Tão Longe, Tão Perto”, “Bodas de Papel” e“Intensa Magia”.
Mas um senão, enfim, desmonta todo o clima e a densidade que se construíu até ali, no desfecho. Depois de longos 18 anos, uma vida, Max simplesmente abandona Tony e começa uma nova relação, agora heterossexual, com a sua melhor amiga, Eva. E tudo – parece – acaba bem.
A mulher da peça é vivida por Karin Rodrigues, que emana a elegância e a correção da personagem, tão conflituosa quanto o casal homossexual. Ao mesmo tempo que acompanha in loco as desavenças entre Max e Tony, Eva encontra no casal, sobretudo em Max, é claro, um interlocutor para a sua eterna desilusão amorosa.
Paulo Autran vive bons momentos, como na cena em que fica prostrado diante do ser amado, em um jorro emocional, rasgado, expondo o desespero da perda amorosa. É preciso insistir: como pode, diante de dor arrebatadora, ainda assim sair-se com uma opção desconcertante para a história?
Celso Frateschi encontra o meio-termo do seu Tony, dispensando a afetação e assumindo, em alguns momentos, uma postura mais viril e ameaçadora em relação ao seu companheiro. Há pouco tempo, Frateschi interpretou um monólogo marcante, “Do Amor de Dante por Beatriz”, no qual remetia ao sentimento de perda da mulher, a também atriz Edith Siqueira, morta no ano passado.
A direção de Vivien Buckup é tranqüila. Ela deixa os atores bastante à vontade. Fosse outro o final de “Para Sempre”, o drama se tornaria mais pleno no que ele pretende impactar. Maria Adelaide Amaral se equivocou. Max, apesar da couraça, demonstra interiormente um desespero amoroso que não podia ser desprezado tão simplesmente, como o foi.