24.3.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006
TEATRO
Atriz do clássico “O Cangaceiro” protagoniza peça no Festival de Curitiba
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Curitiba
O Festival de Teatro de Curitiba (FTC), que vai até domingo, abriga hoje uma estréia peculiar em sua mostra paralela, o Fringe -expressão inglesa para franja ou borda, importada do tradicional evento homônimo de Edimburgo, na Escócia.
Trata-se da atriz e cantora carioca Vanja Orico, lendária intérprete do cinema brasileiro, um dos destaques do chamado Ciclo do Cangaço, entre as décadas de 50 e 70, com filmes como “O Cangaceiro” (1953), de Lima Barreto, premiado em Cannes, e “Cangaceiros de Lampião” (1966), de Carlos Coimbra.
Ela vai protagonizar o espetáculo inédito “Vanja Bonita do Cangaço Brasileiro”, que terá sessões no Solar do Barão. O autor e diretor Nilson Ferreira concebeu um enredo em que Orico, nos dias de hoje, dialoga com Lima Barreto (1906-1982). Na pele de Maria Bonita, tenta impor uma condição para continuar no filme: a personagem seguirá interpretando só se ele, o diretor, escrever os fatos mais importantes da vida da atriz.
Na estrutura da peça, cabe à atriz os excertos musicais. Ela vai cantar, por exemplo, “Sodade Meu Bem Sodade” e “Mulher Rendeira”, composições de Zé do Norte, como o fez originalmente no clássico de Barreto. A atriz, que vive no Rio, divide o palco com 19 atores e um músico da Cia. Itabira, de Suzano, SP.
Faroeste
O filme de Barreto mostra o conflito entre dois grupos de cangaceiros numa concepção que remete ao faroeste. Orico diz que era o espírito de aventura que mais a atraía nos projetos do Ciclo do Cangaço. “Sei montar muito bem um cavalo”, conta.
É a primeira vez que atua num espetáculo dramático. Já o fez em musicais, inclusive na França. Filha do romancista e diplomata Osvaldo Orico (1900-1981), ela passou parte da infância e adolescência na Europa. Estudou em colégio de freiras, mas foi expulsa. “Porque coloquei uma tinta vermelha na água benta”, explica. E isso foi em Roma, onde, aos 16 anos, participou de um filme dirigido por Federico Fellini e Alberto Lattuada, “Mulheres e Luzes” (1950), no qual canta “Meu Limão Meu Limoeiro”.
Durante a ditadura militar no Brasil, Orico protagonizou uma imagem histórica. Em novembro de 1968, no Rio, durante os protestos contra a morte do estudante Edson Luis, ela foi fotografada quando se ajoelhou na frente de um carro do Exército, lenço branco numa das mãos, e disparou a seguinte frase, que ainda hoje ela repete com veemência: “Não atirem, somos todos brasileiros”. Foi detida.
Uma de suas últimas atuações no cinema aconteceu em “A Terceira Margem do Rio” (1993), de Nelson Pereira dos Santos. Na adaptação do conto de Guimarães Rosa, Orico faz o papel de uma parteira. Agora, seus olhos castanhos iluminam o teatro.