2.3.1997 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 02 de março de 1997. Caderno A – 4
Exímio nos detalhes visuais, diretor não preparou o elenco para atingir lirismo de Strindberg
VALMIR SANTOS
“O Sonho” também chegou ao palco, há cerca de dois anos, pelas mãos do diretor carioca Moacyr Góes. Na tradução da irmã, Clara Góes, o texto foi rebatizado como “Epifanias”, perfeita conjunção com o universo onírico de Strindberg.
É possível traçar um paralelo entre Villela e Góes. O trabalho do mineiro é marcado pela cenografia barroca, detalhista, como pede a influência popular e religiosa da sua terra natal, Minas Gerais. Foi assim em “A Vida É Sonho”, “A Guerra Santa”, “Rua da Amargura” etc, como uma marca registrada.
Já Góes procurou repercutir a cultura nordestina e a condição de miséria dos migrantes. Sua direção acentuou belas imagens, espelhando o devaneio dos personagens.
“Epifanias” tinha também um elenco bem preparado, diferente de “O Sonho” que, depois de sessões gratuitas no Teatro Popular do Sesi, na Capital, semana passada, agora vai participar do 6° Festival de Teatro de Curitiba.
Ainda que esforçado, o elenco de jovens baianos do Teatro Castro Alves não dimensiona as belas palavras de Strindberg. Villela deposita mais na encenação do que propriamente na interpretação.
E espantosamente um texto do início do século mantém-se com poder de sedução junto ao público. São questionamentos que dizem respeito à humanidade de ontem, de hoje e de sempre.
Agnes, a filha do deus Indra, desce para a Terra, “o terceiro universo, uma esfera de cinza e pó girando no universo, o que provoca de vez em quando tonturas”. Aqui, em carne e osso, entra em contato com os seres humanos e desvenda a dor e a angústia da existência.
Strindberg parece definir a felicidade como uma miragem, sempre inalcançável. “Os seres humanos são dignos de lástima” – é o bordão que Agnes, a “filha dos céus”, repete em várias passagens.
Para o autor sueco, “ser mortal não é fácil”. “O Sonho” pesca uma rede de conflitos para justificar sua tese. O amor, sublime amor, “é o mais doce e também o mais amargo”. Agnes, na pele da mulher que se casa com um advogado, desabafa: “Como é terrível estar casada. Viver a dois é coexistir no sofrimento”.
Nesse martírio todo, em que a platéia é o “paraíso” e o palco, “inferno”, o porvir não é demasiado caótico. Strindberg não aponta culpados. “Como pode a estátua condenar o escultor?”, indaga. Ainda que o barco da justiça afunde, depois das citações aos pacientes mortos em Caruaru, à chacina dos sem-terra no Pará, enfim, Villela reproduz essa esperança com anjos e uma sereia-iemanjá. É uma bela montagem para um belo texto que não ganhou, na preparação dos atores, a correspondência lírica e densa do autor.